Sobre Tales From The Tenth Island,
de Onésimo T. Almeida
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Vamberto Freitas
Tales From The Tenth Island (com selecção, tradução e introdução de David Brookshaw) é uma selecção de contos de (Sapa)teia Americana de Onésimo T. Almeida que foi originalmente publicado em Lisboa pela Editora Veja (1983), e depois saído numa segunda edição das Edições Salamandra em 2000. Recenseei-o no Diário de Notícias logo de seguida, e depois inclui-o no meu livro de ensaios Pátria ao Longe: Jornal da Emigração II (1992). Outros se pronunciariam publicamente em seguida. O autor regressaria anos depois com mais quatro narrativas de imigração incluídas no seu Aventuras De Um Nabogador & outras estórias-em-sanduíche (Bertrand Editora, Lisboa, 2007). Maria Teresa Maia Bento Amarelo Carrilho publicaria a sua tese de mestrado precisamente sobre os contos iniciais, alguns deles já antológicos, intitulada O Sonho Americano e a (Sapa)teia Americana (Universitária Editora, Lisboa, 1998). Faço aqui este brevíssimo historial pela distância no tempo que já nos separa da saída destes contos que marcaram de modo inusitado a visão que temos da nossa experiência imigrante vista através da literatura de língua portuguesa nos EUA nestas últimas décadas, e que inclui enfaticamente as narrativas de José Francisco Costa (Mar e Tudo, Edições Salamandra, Lisboa, 1998), e as de Francisco Cota Fagundes (No Vale dos Pioneiros: Narrativas da Minha Diáspora (Edição da Câmara Municipal da Praia da Vitória e da Junta de Freguesia da Agualva, 2008). Perante a habitual desatenção de alguns entre nós, a verdade é que a literatura açoriana já inclui no seu cânone esta escrita-outra, a que nos dá conta, por vezes algures entre a ficção e a realidade, de como a açor-americanidade foi perpetuada pela geração que partiria das ilhas no início dos anos 60. Deu-se, com estes e outros escritores da Diáspora, um corte epistemológico radical, que um dia Eduardo Mayone Dias atribuiu a uma nova realidade da nossa imigração a oeste, mesmo que os números permanecessem relativamente reduzidos: a primeira geração formada em universidades portuguesas e norte-americanas, mas que eventualmente se viraria para as suas raízes e as transformações sociais e culturais que aconteceram na sociedade de acolhimento, a nova pátria luso-americana. Urbino de San-Payo, outro poeta português imigrado há longos anos naquele país, também diria a respeito das nossas comunidades norte-americanas em geral: “Sim, somos os filhos de duas paisagens: a da memória e a da vista. A ausência de qualquer delas faz-nos sangrar”. Eis aí uma síntese perfeita de toda temática da literatura dos nossos autores em constante correrias e vivências profundas entre o cá e o lá.
De onde vem este interesse (entusiasmo, diria) de alguns “estrangeiros” por literaturas tão pouco conhecidas como a nossa? Podem alguns intelectuais (especialmente em Portugal, na sua indisfarçada angústia de serem europeus “autênticos”) atirar contra o multiculturalismo e o politicamente correcto, mas foram exactamente estas novas “atitudes” primeiramente emanadas da América do Norte que viriam a permitir novos olhares ante as suas sociedades-mosaico. A partir daí, já ninguém poderia ignorar todos os povos que construíram o Novo Mundo, muito menos faltar-lhes ao respeito que sempre lhes foi devido, mas ofuscado pelo histórico etnocentrismo, quando não racismo aberto e directo. Tive a felicidade imensa de ter pertencido e testemunhado como estudante na academia da Califórnia (depois como professor do ensino secundário) o início dos anos de transformação e humanização, por assim dizer, de uma sociedade que até aos anos cinquenta vedava os imigrantes e/ou grupos étnicos minoritários ao seu lugar de inteira pertença e cidadania. Dirão que alguma escrita imigrante antecedeu de longe todo este movimento societal. Só que foi a partir desse momento de viragem que essa escrita passa a ser parte de currículos e estudo sistemático nalgumas das mais prestigiadas universidades dos EUA e de outros continentes e países (Brasil e Europa, inclusive em Portugal), a sua divulgação lenta mas seguramente assegurada em publicações especializadas e gerais, acontecendo consequentemente a legitimação da mundividência, concreta e/ou transfigurada, dos que desde sempre haviam permanecido esquecidos nas margens, ou na tal “ponte” das tormentas de que nos falava o poeta já aqui citado. De resto, foi o reconhecimento por quase todos de que as sociedades da última parte do século passado eram já obra globalizada, e a nova literatura mundial teria de olhar para a complexidade humana que estava subjacente a todas as comunidades e, agora sim, vivências praticamente sem fronteiras.
Comunidades
07 abr, 2010, 02:13