Sylvia Amelia Carneiro da Cunha – O Último Canto
Chamava a atenção a elegância discreta e impecável. Trajava um tayer de risca de giz cinza, camisa de seda rosa, um colar de pérolas delicadas arrematava o visual. Mulher pequena, sorriso franco, suave. No brilho do olhar, a perspicácia e grande determinação. Muito logo percebi que de pequena ela não tinha nada. Era gigante no saber e no caráter firme. Era pródiga nos afetos, na simpatia, na gentileza, na delicadeza de atitudes.
Maio de 1990, acabara de ingressar no Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina , quando Vitor Antonio Peluso Junior, então presidente do IHGSC, apresentou-me a Sylvia Amélia Carneiro da Cunha. Ela era Tesoureira da instituição desde 1977. Função que exerceu por mais de 20 anos até assumir a Presidência do Conselho Fiscal, personificando com tanta fidelidade o paradigma de exemplar, contribuindo com a sua sabedoria e descortino de pareceres irretocáveis, quer técnicos,quer jurídicos, no cotidiano da Casa de José Boiteux.
Grata evocar a prazeroza convivência no IHGSC onde senti o influxo de seu coração tão ilhéu mesmo não tendo aqui nascido. Lembrar com saudade a figura ímpar dessa dama da cultura catarinense, historiadora, professora, escritora, mulher de propósitos transparentes e dedicação sem limites no trabalho e nas instiuições culturais que pertenceu.
Poderia continuar neste registro de sua biografia, citando sua formação acadêmica em Letras Neolatinas, Jornalismo,Técnica de Administração e Direito ou seu ingresso na Academia Catarinense de Letras e o valioso percurso literário referenciado em quase uma dezena de obras, ensaios, artigos, reportagens, comentários políticos, crônicas e poemas publicados na imprensa, suplementos literários e antologias de circulação nacional saídas de sua competente e expressiva lavra. Puxar ainda pela tecla da memória e falar de sua passagem no Jornal A Gazeta de Florianópolis onde assinava as colunas Notícias Culturais e Um por Semana, da sua atuação como Presidente do Conselho Estadual de Cultura nos anos oitenta.
Mas qual nada! Revisitei a colega de sodalício, a neta do Governador Gustavo Richard com quem muito aprendi sobre a ousada administração deste ilustre catarinense responsável pelo primeiro abastecimento de água em Florianópolis e,finalmente, fui atrás da mulher escritora que traz a alma no olhar e me enterneci com sua poesia como o afago lânguido do Vento Sul que chega sibilante por mares da Ilha e de Florianópolis que ela tanto amou.
A 8 de março de 1998, Sylvia Amélia recebeu da Prefeitura de Florianópolis o diploma de mérito Mulheres com Arte,destaque na Literatura. Uma singela e justa homenagem a quem honra Santa Catarina com seu valioso labor literário.
Uma arte de poetar segura, anímica, plena de sentimentos, de humanização. Poemas que falam de encontros, de partidas, do mar e de cenários telúricos de sua Florianópolis cantada em “Despedida”.
No seu “O último Canto” encontrei o adeus da mulher Sylvia Amélia e que agora referencio:
” Não lamento o que não consegui ser
Neste longo tempo vivido.
Não reclamo do que não pude ter
nem de promessas não cumpridas.
Venho sim,
nesta sobra de vida,
relembrar sonhos,
esperanças
e a fé que nunca me abandonou.[…]”