Agostos
Num Agosto assim talvez chovesse outrora
muito longe daqui. As nuvens vinham de leste
e abriam o seu ventre subalimentado sobre
as nossas cabeças: metralha e fogo e luz
e um homem deixou no adobe da parede
o seu retrato de cinza.
E no entanto havia corpos
prontos a dar-se entre o desejo mudo
e o inferno. Caíam as aves não co’a calma,
como dizia o outro, mas co’as cargas
de napalm, que são o reverso
do verso lírico (e do épico também).
Vinham as chuvas e partiam
e não lavavam lodos nem apagavam
o fogo que ardia sem se ver
(disto sabia ele, o poeta),
sobre uma esteira podia-se morrer de loucura
num corpo a corpo de vencidos,
desafiando a sombra da outra morte, a que vem
por trás e por diante, da esquerda e da direita
e deixa os seus dentes de chumbo na carne destroçada.
Lembro-me destas coisas e de outras mais
ao cruzar-me com os pares que se devoram
em jardins de cimento, indiferentes
a quantos estudam o terreno em variadas línguas
sobre mapas que trocam os sinais da mata
e dos rios por números de autocarro, paragens
do metro, um ou outro museu, lugares a ver de fora e de longe,
mas nada nos dizem sobre o modo de evitar as emboscadas
da guerrilha urbana.
Não há chuvas neste Agosto. A calma
vibra nos telhados, as guerras trazem outros nomes,
outros donos. E talvez seja assim que tudo tem de ser.
E talvez seja este o melhor dos mundos.
(Porto, 2011)
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(*)O pintor Silvio Pléticos vive em São José,Santa Catarina há mais de cinquenta anos.Nascido em Pula (ex-Itália, hoje Croácia), o artista escolheu Santa Catarina para viver.Foi aqui que produziu uma pintura universal e influenciou uma geração de artistas consagrados.Desenhista, pintor e escultor, a produção mais intensa e contínua de Pleticos é pictórica