Teori(a) da
conspiração
Há um corvo de Edgar Allan Poe pousado na sorte do Brasil.
Tudo o que é indesejável acontece com esse belo país habitado por espíritos malsãos.
Todo tipo de infortúnio se abate sobre o seu decepcionado povo, perigosamente levado a crer na inutilidade da democracia representativa. Agora que o ministro Teori Zavaski desvendaria o véu dos depoimentos de 77 delatores da Odebrecht, eis que o avião em que viaja afunda nas águas de Paraty.
Coincidência é a extraordinária simultaneidade que alinha dois fatos, produzindo surpresa, alegria ou indignação. No caso, o fato de Zavaski ser o relator do maior processo criminal do país e estar a bordo de um avião sinistrado na véspera de grave revelação.
Daí a dizer-se que o ministro foi assassinado vai uma diferença abissal. Imaginem um “plano” para matá-lo no avião do melhor amigo, junto com outros quatro passageiros, aí incluído o dono da aeronave, num acidente ocorrido a quatro quilômetros da pista…
Havia políticos, partidos, réus e muitos investigados interessados nesse sinistro. Os “corvos” inclusive, especialmente aqueles que estão presos, ou em vias de perder a liberdade, com o andamento dos inquéritos. A verdade é que o “acidente” – coincidentemente – tirou a vida do ministro catarinense no momento mais crucial de duas existências: a do próprio Zavaski e a do Brasil…
“Mala suerte” ou crime planejado? Má coincidência, certamente. E aí é que está a desdita de um país à beira dos nove círculos do Infernos de Dante.
O desastre aconteceu no momento em que não poderia acontecer: até o final dos tempos haverá quem acredite em “assassinato por encomenda” à maneira das piores máfias – aliás, como essas que atuam, desenvoltas, no cenário político brasileiro.
A descrença nos homens e nas instituições ganha mais um sinal de que o país parece ter sido abandonado pelo Todo Poderoso, despencando nos pélagos profundos dos despenhadeiros dantescos.
No exato momento em que os cárceres amotinados conduzem o país aos infernos medievais, morre o presidente do principal inquérito contra a corrupção.
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Dura será a vida em busca da credibilidade que era o principal apanágio do ministro falecido. Esse era um atributo que lhe sobrava. O que será do nomeado para o seu lugar?
Tudo o que fizer ou homologar o sucessor, será posto em dúvida ou em questão. Será – embora sem culpa – o maior repositório da dúvida e da descrença. Pobre Brasil. Terá que vencer novos penhascos do Inferno de Dante, vencer mais monstros e demônios, até subjugar todas as más coincidências urdidas por Lúcifer.
Ai, Santa Clara, clareai.(*)
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Sérgio da Costa Ramos.Escritor e jornalista. Ilhéu da Ilha de Santa Catarina. Suas origens estão na Ilha Terceira.
Cronista talentoso. Brilhante. Uma escrita escorreita,pícara,da ironia típica do ilhéu de Santa Catarina com pézinho na Terceira.
Cheio de humor a sua pena baila com elegância e seus leitores vão no embalo de suas crônicas.
Uma biobliografia expressiva e referencial para quem deseja conhecer a alma da nossa gente. O livro mais recente é "Molecagens Vernáculas" prefaciado por Onésimo T.Almeida.
Membro da Academia Catarinense de Letras. Sérgio assina uma coluna diária no Diário Catarinense e com certeza é o mais festejado de nossos cronistas.
(*) Publicado originalmente na sua coluna do Dário Catarinense de 20 de Janeiro de 2017.
Reproduzida aqui com a devida autorização do autor.