Tributo a Norberto Aguiar, o açoriano da Lagoa
& ao LusoPresse
Saí direto do verão tropical de Florianópolis, na Ilha de Santa Catarina, com termômetros superiores a 30°C, para uma Montreal gelada oscilando entre 15 e 20°C negativos. A paisagem nevada de cartão natalino era mesmo de encher os olhos. Fascinava e encantava-me. Foram dias de descobertas, de conhecimento de uma sociedade exemplar na sua estrutura social, na mentalidade aberta para a multiculturalidade étnica de tantos quantos escolhem o Canadá como a terra prometida.
O frio cortante de gelar a alma não arrefeceu. Mas, em compensação o calor humano da comunidade portuguesa do Québec, os tantos abraços de intenso convívio e a afetuosa hospitalidade da família Aguiar aqueceu e aqueceu muito o coração. Uma família que partilha o verdadeiro sentido de respeito e de amor pela cultura portuguesa. Uma verdadeira paixão pelo cultivo e fomento da Língua de Camões num país que congrega gente de toda parte, de todos os credos e culturas. A própria família Aguiar espelha esta pluralidade. Dos seus três genros um é açoriano da Lagoa (Ilha de São Miguel), um é nascido nas Ilhas Maurício e se expressa em francês e o outro nasceu na Grécia e fala inglês. Na conversa em família mudam do francês para o inglês e para o português micaelense num piscar de olhos.
Estava no Québec a convite do Jornal LusoPresse que encerrava as comemorações do seu 20° aniversário e iniciava um calendário de eventos para marcar a sua maioridade em 2018. Ao mesmo tempo comemorava-se o 4° ano do programa LusoQ TV que vai ao ar pelo Canal ICI International, levando a língua e a cultura portuguesa aos lares de Montreal.
Fundado a 1° de dezembro de 1996 pelo jornalista açoriano, Norberto Aguiar, o jornal LusoPresse representa a voz forte, altaneira da lusofonia por terras da província de Quebec. Pouco a pouco, alcançou outras paragens se fazendo ouvir entre os Meios de Comunicação Social pelo mundo afora e contribuindo para a partilha da cultura portuguesa e sua sobrevivência dentro do mosaico multicultural que compreende a sociedade canadense. Hoje, o LusoPresse tem uma equipe enxuta formada por familiares e amigos leais que fazem circular um jornal com informações, artigos e notícias com destino certo – a comunidade portuguesa. Em comum a língua, a história, as tradições, os símbolos, os usos e costumes, os valores e a identidade cultural. Por isso, mesmo vivendo em “terras da abundância”, transitam por arquiteturas da memória o seu forte sentimento de pertencimento – “de quem somos e como somos”. Bem a propósito, Onésimo Teotónio Almeida em A Obsessão pela Portugalidade vai fundo nesta debatida questão da identidade e leva-nos a refletir sobre identidade nacional e a cultura portuguesa, a língua e mundividências, saudade, valores e mudança cultural.
Quem folheia as páginas do LusoPresse não deixa de observar um olhar derramado para os Açores. Pois, a maioria dos imigrantes lusitanos residentes em Montreal e Laval são açorianos da Ilha de São Miguel, com predominância do Concelho da Ribeira Grande, sobretudo da Vila de Rabo de Peixe. Também é significativo o número de imigrantes açorianos provenientes do Concelho da Lagoa, uma das mais antigas povoações da Ilha. Os açorianos da província de Québec devem andar as voltas de cinquenta mil pessoas. Múltiplas histórias que se entrelaçam, na constante luta por dignidade, por encontrar o seu lugar ao sol por caminhos da emigração, desde os Açores até o Canadá.
Norberto Aguiar é micaelense, natural da Lagoa. Reside com sua família em Laval, mais ou menos a 10 quilômetros do centro de Montreal. Ele e sua mulher Anália Narciso (também nascida na Lagoa) moram num bairro residencial, numa casa gostosa, confortável e muito aconchegante. Tenho saudade das conversas compridas, sem pressa à mesa do café da manhã ou ao final do dia quando se falava de tudo um pouco. Ali, em torno da mesa farta, a conversa fluía leve, solta e ao mesmo tempo com muito afeto naquele rever histórias de vida e, também, de ir ao encontro das raízes cortadas no passado e reimplantadas nesta terra da promissão. Sem, contudo, nunca esquecer a terra natal. Perguntei ao Norberto qual a melhor lembrança do que ficou para trás. Respondeu na lata: Quando jogava no Operário da Lagoa e era reconhecido como «O Lourinho do Operário».
Norberto chegou à Montreal a 2 de março de 1975 e sua noiva, Anália Narciso, em setembro do mesmo ano. No Québec já viviam seus pais e irmãos. Jovens, cheios de sonhos na bagagem e a vontade de vencer no Mundo Novo. Tempos depois casava com Anália, a namorada de infância, a noiva desde os Açores. Da feliz união nasceram as filhas: Ludmila, Petra e Karene.
Como para boa parte dos emigrantes o inicio na terra de acolhimento não é um mar de rosas. Para Norberto e Anália não foi diferente. Nada lhes chegou de “mão beijada”. Tempos difíceis e penosos. Aos poucos foram conquistando espaço com muita dedicação, trabalho e sacrifícios. As conquistas e o reconhecimento não demoraram. Ali estava um homem de comunidade e que vivia para a comunidade. Cumulava as atividades profissionais com o voluntariado na comunidade, movimentando toda gente desde eventos sociais e esportivos aos culturais e econômicos. A azáfama diária implicava sempre em assumir mais atividades voluntárias, abraçando todas as causas em defesa ou na promoção da comunidade portuguesa. Sempre a comunidade!
Paralelamente, a atividade associativa comunitária que foi abraçando ao longo da vida, colaborava com a comunicação social portuguesa – jornais e revistas. Até que em 1996 resolveu fundar o LusoPresse “com amigos e muita gente dedicada. Não tivéssemos fibra e o projeto teria ficado pelo caminho logo ao virar da esquina”, afirma um Norberto Aguiar emocionado com esta histórica trajetória e tantos feitos admiráveis como, no âmbito da geminação Lagoa e Saint Thérèsea, a edição especial (36 páginas), lançada em agosto do ano passado no Concelho da Lagoa (Ilha de São Miguel), a comemoração do Dia da Mulher que neste ano,na sua 18°edição, homenageou a ex Vice-Presidente da Assembléia da República, Dra.Manuela Aguiar ou, ainda, o Colóquio sobre os Médias Portugueses do Québec realizado a 28 de janeiro em Montreal, dentro das comemorações de aniversário do jornal, reunindo imprensa escrita, falada e televisão. Um número realmente expressivo de vozes, homens e mulheres da imprensa, historiou e debateu questões atinentes ao futuro dos médias e a participação das comunidades lusas, em particular a açoriana.
Interviram no Colóquio como convidados os Professores açorianos Luís Marques Aguiar e José Carlos Teixeira, ambos da University of British Columbia e eu como professora da UFSC e representante da Associação Catarinense de Imprensa. Interviram também três jornalistas que atuam nas comunidades haitianas (Donald Champ, Radio Haitiano), italiana ( Fabrizio, Diretor e redator Chefe do Correo Italiana) e Marius Balan (TV Romênia). Na diversidade manifesta, as vozes foram uníssonas. Em comum imensas dificuldades e uma certeza “o servir a comunidade por amor”.
No momento em que escrevo este “artigo-tributo” recordo a bonita festa de aniversário do LusoPresse . O lufa-lufa foi grande. Não sei como o Norberto conseguia articular tudo tão bem. Secundado por uma equipe muito eficiente: o diretor do LusoPresse, Carlos de Jesus, Vitória Faria (revisora), Joaquim Eusébio e Ludmila Aguiar do programa LusaQ TV. Sem contar o apoio da mulher Anália Narciso, contabilista do jornal, as filhas e genros. Impressionante o envolvimento de toda família!
O jantar de encerramento dos 20 anos do LusoPresse aconteceu no “Restaurante Bitoque” de Hermínio Alves. Reuniu pra mais de 100 pessoas. Uma cerimônia emotiva de merecido reconhecimento de sua história de protagonismos, fazendo a diferença, assinando a história coletiva de emigrantes na terra de acolhimento. Expressos nas palavras de Carlos Leitão, ministro da Fazenda do Québec, de José Guedes de Sousa, cônsul geral de Portugal e os açorianos Armando Melo, vereador da C.M.de Ville de Ste-Thérèse e Luís Miranda, Prefeito de Anjou, natural do Pico da Pedra. Uma linda festa Uma programação intensa, aberta, voltada para a comunidade em que se insere e não só. A grande homenageada foi, sem dúvida, a comunidade lusa-canadense.
Junto minha palavra a tantos outros colaboradores que têm o privilégio de publicar nas páginas do LusoPresse para celebrar a realização do sonho visionário de Norberto Aguiar. Basta abrir suas páginas para perceber o LusoPresse como indelével instrumento de difusão cultural e o espírito inovador que abraça toda sua equipe a ecoar por alargadas fronteiras desde Montreal até a Lagoa, na Ilha de São Miguel – com direito a uma “esticada afetuosa” pela Ilha de Santa Catarina.
Só ali na cidade de Laval, na Rue de Salois completamente coberta de neve compreendi como era feito o Luso Presse – com muito amor e dedicação sem limites. Tão emblemático quanto o Sirop d’Érable. Obrigada, Norberto Aguiar!
Antes do ponto final…
Nos dias passados no Québec, entre a elegante Montreal e a moderna Laval, observei que os carros traziam na placa a inscrição: Je me souviens. Um eco identitário. Uma consciência de saber ser. Uma força cultural que une os nascidos no Québec ou os presos ao hífen… Algo realmente indelével.
Os dias de Canadá, de vivências e mundivivências por terras do Québec junto à comunidade portuguesa não ficaram para trás pura e simplesmente. Estão aqui, guardados no relicário da minha memória.
Je me souviendrai toujours!
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