TRINDADE
Mário T Cabral, 27 de Dezembro AD 2015
Deus-Pai é um bem disposto, cheio de graça e sentido de humor, sempre pronto a colocar seres novos na existência. É um tramoia. Como tem a visão do conjunto, é difícil para nós compreender a Providência no ato em que ela acontece; precisamos, muitas vezes, de longos anos para O entender.
O pior é quando se passa dos carretos. Nestas alturas, o sensato é escondermo-nos numa gruta funda e escura, à espera que Lhe passe a breca. Mesmo assim, não resolve grande coisa, pois Ele está em toda a parte. A sorte é que Lhe passa depressa.
Não entende nada de Deus aquele que não O teme; pode ser muito moderno, mas não sabe nada acerca do amor. Quem ama treme. O livro da Sabedoria garante que o temor de Deus é o princípio da Sabedoria e está coberto de razão. É um estilo assim como que italiano.
As birras dEle estão quase sempre relacionadas com a injustiça. A justiça está intimamente ligada à estética e Ele é o Criador. A injustiça é uma linha torta, que afeta a harmonia do conjunto; uma desarmonia. Ele é Juiz por isso. Nenhum génio tolera a obra medíocre, quanto mais o Artista Perfeito.
Certa vez, os músicos da Gulbenkian procuraram — puro exercício de intervalo entre ensaios — substituir uma nota numa sinfonia de Beethoven, que lhes parecia dissonante e feia. Todas as tentativas foram piores. Assim nós, muitas vezes, em relação àquilo que nos choca com o mal que nos afeta.
Dois pontos a nosso favor: como Ele é perfeito, resolve todos os estragos que as criaturas possam cometer; e como tem um coração de manteiga e perdoa tudo, mas mesmo tudo, temos sempre a garantia de nos perdoar, quando nos confessamos pecadores. É preciso é saber levá-lO. É Pai e está tudo dito.
Já Deus-Filho é mais calmo e doce do que seu Pai. Puxou à Mãe nestes traços de caráter — não é à toa que incarnou e que foi gerado num ventre humano e ganhou corpo humano para toda a Eternidade. O Pai é artista – o Filho é professor; Ele próprio disse que só há um Mestre, um Doutor e um Pai.
Como tem um amor absoluto pelo seu Pai, explica-nos o modo de chegar à plenitude da visão face a face. Explica tudo como ninguém. Então não é o Verbo?! Ao Sagrado Coração apetece abraçar prolongadamente. Ficar assim colado para sempre, sem dizer nada, só a ouvir. Parece mentira que é nosso irmão! O nosso irmão mais velho! Garantiu que nos defenderá diante do Juiz e esta promessa vale a vida. Como é que se paga uma coisa destas?!
Quanto ao Espírito-Santo, é a finura da filigrana, a subtileza do sopro, o burilamento supremo, a nobre delicadeza. Antes das coisas acontecerem, já Ele sabe o que Deus-Pai tem na cabeça. A palavra hebraica “ruah” é feminina e apetece concluir que o Espírito-Santo é o lado feminino da Trindade, pelo menos do ponto de vista humano. Uma coisa é certa: o Espírito-Santo dá-Se muito bem com Nossa Senhora, a cheia de Graça.
Com efeito, os cristãos são uma raça excêntrica, não há como negá-lo. É uma natureza tocada pelo outro mundo. Claro que há muita gente que não joga este jogo, mas é difícil, para um crente, imaginar a vida humana sem este sangue real. Será possível ser totalmente feliz sem este quadro de referências? E ter esperança? E não ter medo?
A Filosofia encaminha a mente para as verdades da Fé, coloca o sério pensador nos umbrais da religião cristã… mas não garante a entrada a ninguém. Diz: «Tudo indica que eles estão certos. A aposta vale o risco». A aposta, porém, é doutra natureza, é mais uma coisa do coração, inclusive tem um toque de homem de negócios, ao estilo cigano.
Por exemplo: é preciso ter jeitinho para lidar com Deus-Pai. Com jeitinho, Ele vai em todas; derrete-Se todo, porque nos ama, como qualquer criador humano aprecia aquilo que criou, como qualquer pai humano ou animal que se preze. Um católico que joga bem o jogo, todavia, é como um bom jogador de futebol: ama o futebol. Pode descarrilar — oh, drama!, descarrila a toda a hora! Mas quer sempre voltar a casa! Onde é que há outra assim?!
Os católicos levam vantagem, talvez por serem do sul. Os protestantes têm aquele peso dos nórdicos, não têm pé para a dança. Levam tudo muito a peito, são demasiado engenheiros. Sabem fazer máquinas Míele, é verdade — mas as cidades de cortar a respiração são católicas!