O meu pai nunca nos disse como gostaria que fosse. Nós nunca falávamos destas coisas, porque isto não são coisas para se falar com alguém maior do que qualquer força humana. No entanto, eu tenho a certeza que ele pensou imensas vezes no seu momento final. Parece até que ele escolheu esse momento. Nunca o escreveu, mas se o fizesse seria mais ou menos assim: Melhor do que qualquer comprimido que me separas cuidadosomente todos os dias, é a tua mão agarrada à minha. A tua voz, ainda a ouço: – Não me deixes Daniel, porque não posso ficar sem ti. Meu amor, entreguei-me a ti com tudo o que tinha. Os nossos netos receberam de nós nada menos do que os nossos filhos. Perdoa-me por este momento de fraqueza. Sei que não me conheces assim. Já não sinto a tua mão com a mesma força. Deixaste de a segurar? Ou serei eu que te estou a deixar? Não, não te vou deixar. Vou estar sempre contigo. Entreguei-me a ti. Entrego-me agora a estes lençóis, a esta cama, a esta almofada. Entrego-me ainda aos teus braços. Entrego-me finalmente a Ele. Sabes que não poderia ser de outra forma. Tu e eu. Beija os nossos filhos e os nossos netos com a certeza de que sem poder ser eu a fazê-lo, tu saberás dizer-lhes o que eles precisam de ouvir. Tu saberás amar sozinha os nossos filhos. O nossos netos continuarão a sentir em ti a avó que eles precisam. Tu saberás continuar a viver. Rogo-te que aceites que seja assim o meu momento final. Esta cama, a tua mão. O nosso amor maior do que a vida.