Com um pé nos Estados Unidos da América, outro em Portugal e o coração nos Açores, Onésimo Teotónio Almeida, 64 anos, é um observador atento da emigração portuguesa para o outro lado do Atlântico
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E já lá vão 40 anos de estudos, aulas, conferências e textos. Em O Peso do Hífen, uma edição do ICS, o prof. catedrático da Brown University reúne uma dezena de ensaios sobre a experiência luso-americana, traçando o contorno de uma presença portuguesa na América que se fez de choques, assimilações, aculturações e exílios. À semelhança da sua ficção – (Sapa)teia Americana, Aventuras de um Nabogador -, e das suas crónicas – Da vida Quotidiana na L(USA)lândia, Que Nome é esse, ó Nézimo e Rio Atlântico, este é mais um contributo para compreensão da diáspora lusitana pelo mundo.
Jornal de Letras: Este livro é o resultado das suas muitas andanças entre os dois lados do Atlântico?
Onésimo Teotónio de Almeida: É uma coletânea do que julgo serem os meus principais textos (em português, pois não incluí outros em inglês) sobre temática luso-americana e que fui escrevendo para situações pontuais nas duas margens do Atlântico e também no meio (os Açores). São todos sobre esse mundo híbrido, hifenizado (prefiro dizer “hifenado”, mas o “editor” achou melhor “hifenizado”). As questões de fundo parecem-me centrais no Portugal de hoje, cada vez mais nesse caminho da hifenização multicultural. Vão desde o tratamento de questões teóricas que têm a ver com choques de valores linguísticos e éticos, com a aculturação e assimilação cultural, mas inclui também ensaios sobre a pretensa descoberta portuguesa da América, as turbulentas relações entre Portugal e os EUA por causa da independência dos Açores, a literatura luso-americana e ainda questões sobre o exílio de figuras como Jorge de Sena e José Rodrigues Miguéis.
Vê esse oceano como uma ponte, o seu mare nostrum?
Costumo dizer que o Atlântico é um rio (usei o termo em título de livro de crónicas). Quando se está na outra margem, vem-se cá volta e meia durante o dia. As pontes são os aviões, a TV, os telefones, a internet. E a mente não necessita de pontes. Quando se emigra adulto não nos arrancamos de um lugar, apenas alargamos fronteiras. Vivo entre duas margens. De cada uma vejo a outra muito perto. E sinto me bem nas duas. Estes ensaios falam dessa realidade.
Há nestes ensaios uma mesma preocupação, um denominador comum? Entender os fenómenos resultantes do encontro de culturas, neste caso da nossa com a norte-americana. Cada capítulo do livro cobre uma ou mais facetas desse encontro, que na verdade começa por ser um embate, um choque, por mais politicamente corretos que queiramos ser.
Nos 40 anos que leva a estudar estas temáticas, identifica grandes mudanças nesse encontro? Sim. Os Estados Unidos são uma sociedade estruturalmente aberta à emigração e, por mais dominante que seja o seu elemento cultural de base (o anglo-saxónico), sempre a imigração fez parte da identidade do país. Primeiro através da assimilação imposta, mas agora, há décadas já, através da integração de diferenças. As comunidades portuguesas espalhadas pelos Estados Unidos e Canadá têm seguido as pisadas de outras maiores, como a hispânica (sobretudo nos EUA): têm-se integrado social e politicamente, que o mesmo é dizer culturalmente (uso o termo sempre no sentido antropológico). Estas comunidades criam uma segunda cultura, mistura de duas, e sentem-se dentro e fora de cada uma delas. Claro que as gerações mais novas vão passando para a segunda e as mais velhas mantêm uma forte inclinação para a cultura de origem.
Os portugueses têm fama de se adaptarem bem aos países e às culturas com que se confrontam. Confirmou essa ideia na sua vivência e nos seus estudos? Depende. Por um lado, parece que sim. Por outro, adaptam-se sem se dissolverem. Fazem muito bem a sua vida no meio de outra maior, por vezes mesmo distraídos da existência dela. Como que evitam o choque cultural agarrando-se à sua maneira de estar e cedendo apenas no inevitável. Acho difícil generalizar muito para além disso. O hífen é a melhor imagem para descrever o mundo cada vez mais globalizado em que vivemos? Bom, se eu tivesse encontrado outra mais incisiva, tê-la-ia usado para título. Reconheço, todavia que, depois dos acesos debates sobre o Acordo Ortográfico, do ponto de vista português talvez não seja a melhor (refiro-me obviamente à decantada questão do hífen). Mas o título desta coletânea precede o debate. Tinha-o em mente há vários anos. Hoje fala-se também muito em hibridez. Preferi agarrar um termo pouco estragado teoricamente mas que é decalcado na linguagem comum dos e/imigrantes. O hífen escreve-se constantemente e nunca é mencionado. Todavia está lá.
Que papel poderá ter essa consciência multicultural no futuro? Pessoas com múltiplas raízes culturais criarão um mundo com menos conflitos? Sem armar em bruxo, creio que o futuro será mais e mais uma mistura de culturas. Para bem ou mal nosso e delas. Uma coisa, porém, são factos, outra juízos de valor sobre eles. Quanto a existirem menos conflitos, convém aqui ficarmos ao nível das utopias, hoje quase desaparecidas. Mesmo que não seja verdade isso de “menos conflitos”, é sempre bom pensar assim, pelo menos como ideal. É que, por mais utópico que ele pareça, as alternativas não são nada róseas.
http://aeiou.visao.pt/um-hifen-que-une-e-multiplica=f584184