Um Natal de gente simples
Daniel de Sá
Minha irmã é que fazia
os bonequinhos de barro,
e era o sol que os cozia.
E pintava, paciente,
ovelhinhas e pastores,
e mulheres à mistura,
cada qual com seu presente,
que a gente então não sabia
que essa gente
não andava misturada.
Casinhas de papelão,
janelas envidraçadas.
A gruta de pedra negra
ou caixote de sabão.
O Menino estava nu,
que Sua Mãe não previa,
quando chegou a Belém,
que Ele já ia nascer.
Mesmo assim, Seu Pai sorria,
com o boizinho a aquecer.
Um espelho era um lago,
papel de prata, a ribeira
onde lavavam mulheres,
num gesto vago,
roupas vagamente como as nossas.
O cascalho era o deserto:
camelos de duas bossas,
e os magos com incenso, oiro e mirra.
E logo ao lado, tão perto,
erguido no deserto que era areia,
o monte mais verdejante
de todos quantos houve na Judeia.
Ali, nada estava certo…
E era tão bom não saber!
Mas a casa estava cheia
de um bom Natal a valer.
Cheirava a pinho,
cheirava a figos, licores,
e um garrafão de vinho.
E as figuras principais
eram sempre minha irmã,
eu e meus pais.
E havia dois ou três postais:
de uma tia saudosa
(que mandara um já usado)
ou de um tio emigrado,
e nada mais.
Nesse tempo era tão bom ser pobre,
pela alegria de um dólar americano,
pelo gosto de esperar um presente do Menino,
às vezes só o doce engano
de esperar…
Ser pobre dava tanto gosto a tudo!
Desde os figos do Natal
às malassadas de Entrudo.
Quem fosse pobre outra vez!
Para sentir a alegria
desse dia,
desse mês,
do ano inteiro, afinal…
Porque uma criança vivia
só para o fugaz instante do Natal
do Deus-Menino, Jesus.
Mas ter dez anos bastava.
Nem que fosse na opulência
do palácio de Queluz…