Usina Nuclear Medieval
Dezenas de livros espalham-se pela minha casa. Sobre a mesa de jantar, nos sofás da sala de visitas, soltos na estante construída na intenção de, enfim, organizá-los. Tropeço neles no chão do meu quarto, esbarro na pilha que se equilibra na mesinha de cabeceira – milagre de engenharia, não sei como ela ainda não desmoronou.
Concluo que não terei tempo hábil para lê-los até o dia do meu juízo final. Mas continuo comprando-os, é compulsão. Pragmática, decido arrematar três ao mesmo tempo. Na minha cabeça, a única solução para não entregar às traças as emoções que guardam.
Escolho “A virada”, Stephen Greenblatt (Companhia das Letras), “O inventário de Julio Reis”, Fernando Molica (Record) e “Festa na Usina Nuclear”, Rafael Sperling (Oito e meio). Descobri “A Virada” na última Flip. Adoro Romances Históricos, principalmente os ambientados na Idade Média. Salto do poema de Lucrécio, escrito dois mil anos antes de Cristo – o livro é o máximo, gente, imperdível – diretamente para o Rio de Janeiro, fim do século XIX, início do XX. Aterrisso no colo de Fernando Molica até o sono chegar. Acordo espantada com a literatura de Sperling, o anúncio de um futuro que – acho, droga -, eu não chegarei a degustar. Como é original o texto deste menino, meu Deus…
Enfim, tudo transcorria na mais santa (e relativa) paz quando meus neurônios começaram a liquefazer. Desconfiei de algo errado quando um homem (no livro de Sperling) sai à procura de um sábio que vive na Idade Média. Não, não, não é isso. Quem vive na Idade Média é Poggio, o caçador do texto de Lucrécio. O sábio do Sperling mora numa floresta e, para chegar até ele, é preciso, antes, matar um leão azul. Será? Melhor eu consultar o livro do Molica. Talvez o leão não seja azul, talvez ele apenas tenha encontrado, num dia de céu muito azul, com o amigo Manoel Tapajós Gomes, em frente ao Edifício Avenida Central, no Rio de Janeiro. Mas quem encontrou o Manoel? O Lucrécio, o leão ou Júlio Reis?
Um livro no meio. Nele, a usina nuclear funciona a todo vapor na Baviera medieval. Outro quase no fim: o clímax é um maestro regendo, eufórico, a orquestra sinfônica de Trangabuja, cidade que não sei onde fica. Mas sei que era dia de eleição. Ou não? O Rio de Janeiro sempre foi tão lindo… O terceiro quase no fim, os fatos atropelados pela surpresa de um músico carioca estar a serviço de Eugênio IV, o oitavo papa a quem presta serviços.
Desisti. Já não tenho mais saúde para tantas emoções. Deixarei passar alguns dias, descansarei o meu cérebro. Vou andar na praia e folhear revista de celebridades. Quando me recuperar, retomarei o antigo hábito de mergulhar num livro de cada vez.
Escolhi, para a reestreia, “O inventário de Julio Reis”. Tomara que a usina nuclear medieval não exploda antes…
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Angela Dutra de Menezes é escritora e jornalista