Vai tomar no ritníotvor
por Angela Dutra de Menezes
Como sabem os meus amigos de fé e irmãos camaradas, formei-me em medicina na Universidade de Praga, antiga Tcheco-Eslováquia, no velhíssimo ano de 1933. Confesso que foi dificílimo, penei durante o curso. Por exemplo, até aprender que, em Tcheco, ritníotvor significa ânus, fiz uma enorme confusão entre os buracos de entrada e saída do corpo humano. Cheguei a matar alguns pacientes.
Tudo bem, sempre arranjava um desculpa e, rapidinho, despachava os infelizes engasgados ou entupidos para o necrotério. Realmente, não nasci para a proctologia. Enfim, esforçando-me loucamente, um belo dia, terminei minha residência em gastroenterologia. Se alguém se interessar como se diz este nome em tcheco, eu ensino: gastroenterologie. Estão pensando o quê? Falar português oferece vantagens que até Deus duvida. Os romanos espalharam o latim na Europa quase inteira. Na dúvida, fale como se fala aqui. Geralmente é o sinônimo sofisticado de uma palavra vulgar, só utilizada pelo povão. A gente já começa o papo na vantagem, com pose de inteligente.
Essa conversa fiada é para explicar que, do alto de minha ciência médica, fiquei em estado de choque ao ver a presidente Dilma, no Dia dos Pais, caminhar na varanda do Palácio da Alvorada para se encontrar com os repórteres. Com todo o respeito – não sou o clínico dessa senhora e prezo a ética – mas a madame está obesa. Barriguda e com as perninhas finas, ela, com certeza, sofre da síndrome da gordura visceral, aquela que fica atrás da parede abdominal, provocando um belo estrago no organismo. Mais não digo, não quero ser dispensada de meu emprego na Rede Pública. Não ganho nada, sou quase uma homeless, mas ultimamente ando conseguindo aprender um pouco de espanhol, idioma onde ânus é ano. Realmente, já que fui uma mocinha de vanguarda, poderia ter me graduado em Cuba. Na época, nem eu nem meus pacientes teríamos sofrido tanto. Hoje, já não digo a mesma coisa…
Voltando ao que interessa. Sugiro ao colega que cuida da senhora presidente que a impeça de, ao menos, comer cachorro-quente. Além de ser esteticamente horrível ver a primeira mandatária, de olhos arregalados, mordendo uma salsicha, tudo nesse acepipe favorece a formação das gorduras que envolvem os órgãos digestivos, esmigalhando-os, estraçalhando-os e ainda os inflamando. Mas jurei que não falaria nada. Quero garantir o meu emprego até conseguir ler Cervantes no original.
Dito isso pulo de alho para bugalho. Infelizmente, continuarei ciscando na política, o assunto do momento. Dona Dilma chamou o cataclismo da Petrobrás de factoide político para atrapalhar a eleição. Fiquei com vontade de interromper a sangria que realizava para avisar que, em 2011, ano em que ela se mudou para o Planalto, a dívida bruta da Petrobrás era de 129 bilhões de Reais. Agora, no fim do governo, chega a 308 bilhões. Um escandaloso crescimento de 139%. Com toda a minha experiência médica, jamais ouvi falar nesse efeito colateral. Mas, de repente, a gordura alcançou o cérebro. Por favor, chamem um neurologista.
Largando a presidente em paz. Estou em estado de choque com a indigência mental da esquerda brasileira. Apareceu, no meu Facebook, a seguinte postagem: “O antipetismo é a insatisfação da classe média à ascensão dos pobres”. A idiotice seguia afirmando que vocês, da classe média – eu sou da superelite preconceituosa, pouca gente no mundo se forma em medicina na Universidade de Praga e consegue aprender que ânus é ritníotvor- estão ofendidos porque o porteiro e garagista que os servem agora têm carro. E também não se conformam em sentar ao lado das senhoras que limpam as suas residências – popularmente conhecidas por faxineiras – numa viagem de avião.
Numa boa, dá para acreditar em tamanha mesquinharia? Tanta mediocridade? Neste excesso de nulidade emocional? Não é possível que pessoas supostamente cultas tenham um pensamento tão rasteiro. Portanto proclamo: sou antipetista de carteirinha, votarei no Aécio Neves. Mas sinceramente desejo que todos os brasileiros se hospedem no Adlon Kempinski, em Berlim. Apesar da excelência médica de meu currículo, não tenho grana para isso. Mas adoraria ver a moça que, quinzenalmente, limpa a minha casa e é minha grande amiga, desfrutar do crème da la crème da hotelaria mundial. Existe coisa melhor do que compartilhar felicidade?
Felizmente, sou poliglota. Sem ofender os mais moralistas posso mandar esse povo de coração pequeno e mente estreita tomar no ritníotvor.
E chamem o legista. Tem gente demais no Brasil que morreu e não sabe.
________________________________________
Angela Dutra de Menezes é escritora e jornalista
(*) – Crônica publicada com a autorização da autora.