Veias abertas, sem futuro
O país espera, com sofreguidão, uma trégua nesta sucessão de escândalos e de constrangimentos que transformaram o Brasil num desfiladeiro de desesperança, como se fosse um penhasco do Inferno de Dante.
Stefan Zweig, o escritor mais traduzido do mundo, fugiu do inferno nazista. E aterrissou no lugar que ele mesmo imaginava ser "o país do futuro", um Paraíso ecológico em 1936:
– É muito mais fácil ser pobre aqui do que em qualquer outro lugar do mundo. O mar é livre para o banho, as praias aceitam negros e brancos. Há belezas para todos os olhos. As pequenas necessidades da vida custam pouco dinheiro, as pessoas são afáveis e é infinda a multiplicação das pequenas surpresas diárias que fazem uma pessoa feliz.
O Paraíso de Zweig durou seis anos, até 1942. Uma depressão aguda levou-o a matar a mulher e a se suicidar em seguida, num pacto de morte e, sobretudo, desencanto. Dizem que o rumo da guerra na Europa o desestabilizou, com as sucessivas vitórias nazistas e a adesão ao pesadelo totalitário até mesmo em terras brasileiras. Mas o que o abalou, mesmo, foi um assalto. Foi assaltado em Petrópolis e ficou sob a mira de armas – apenas o ovo dessa serpente cuja peçonha se disseminou como febre amarela, pelo país inteiro.
O belo e instigante romance de Deonísio da Silva, "Lotte e Zweig", sugere um duplo homicídio pelo braço longo de Berlim, licença ficcional que não revoga a maldição do austríaco: a expressão que cunhou, "Brasil, país do futuro", parece destinada a jamais se materializar.
Será que o "país do futuro" perdeu a esperança de chegar ao seu destino? Será que Stefan Zweig suportaria ver o seu sonho naufragar diante da corrupção endêmica que se espalha pela alta administração como um rastilho de pólvora?
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Quando deixarão de sangrar as veias abertas do patrimônio público, assaltado pelas quadrilhas de paletó e gravata?
Stefan Zweig sentiu, talvez, a premonição desse sinistro futuro e deu um fim a tudo, numa tarde sombria nas escarpas da serra carioca. E quem poderá identificar, hoje, no dia-a-dia brasileiro, como fez Zweig em 1940, "a infinda multiplicação de pequenas surpresas diárias que fazem uma pessoa feliz?"
Nota:Crônica publicada no Diário Catarinense,edição de 9 de maio, na Coluna do escritor Sergio da Costa Ramos,um dos mais festejados cronistas do Sul do Brasil