A tarde já se exauria e o vão central do Mercado Público concentrava discursos, gritos, alegria e revolta. Seu Venâncio, de 79 anos, chorava no ombro da filha como se algo o tivesse entorpecido. Ele dissipou minha apreensão ao inopinadamente virar-se e gritar: “Este país ainda vai ser melhor”. Não contive emoção, surpreso pela esperança alegre escondida nas lágrimas do idoso.
Seu Venâncio mora em Ingleses, cuja praia o rejuvenesce com o peixe pulando no balaio e as chacotas de pescadores que até estimulam as gaivotas cantarem alegres. Nem o mar abusado que invade a praia desnutre as manhãs singelas e divertidas nos pés descalços que afundam nas areias inundadas.
E agora, Venâncio? As primeiras manifestações populares já mexeram com o poder e até os parlamentares votaram contra seus próprios desejos. A corrupção, acredite, Venâncio, virou crime hediondo, e o governo rapidamente descobriu que tem R$ 50 bilhões para investir no social.
Mas, Venâncio, a nossa Florianópolis acordou-se também? Suas moléstias são tantas que a deterioração das escolas, hospitais e dos ônibus apenas nos estorcega. A Ilha está enferma, tomada por bactérias das mentes egocêntricas, de cifrão nos olhos a enxergar e a fomentar o lucro em construções irregulares.
Você, Venâncio, cada vez mais apreensivo com a crescente ressaca do mar, ainda suporta as ondas revoltas e nelas vê a mesma força das manifestações populares. Assim até eu choro, compadre, e vejo também o mar, sufocado pelas fezes, sugerindo apoio à revolta do povo.
Quem sabe, Venâncio, enchemos um balaio de bagre do emporcalhado rio do Brás, de Canasvieiras, e o despejamos no plenário da câmara municipal. Se os manifestações ainda não acordaram os edis, quem sabe o bagre seja capaz de mexer com as suas consciências. Ou esvaziá-las de vez! Os vereadores são as mais notáveis causas das moléstias da ilha. São moleques de sorriso frouxo que estufam o peito ignorando as alcunhas e maledicências lhes lançadas ironicamente pelos seus próprios eleitores. Se não houver bagre, a gente encesta siri. Como dizia minha mãe, mordida de siri acorda até defunto.
Para os que só pensam em lucrar na Ilha, Venâncio, vamos dar um balaio de manjuva da praia do Müller, cujo fedor nem lagartixa suporta. Veja só, ainda querem levantar um espigão na ponta do Coral. O seu Aleator vai ganhar uma raia torpedo ou um peixe-cobra. Espere para ver.
Contudo, Venâncio, nem tudo está perdido. Os homens públicos indecentes sentiram o asfalto tremer. Ou será que os vereadores vão resistir à pressão? Não acredito. Vamos acreditar que a Ilha comece a respirar melhor a partir de agora, com um planejamento capaz de frear os ímpetos dos que enxergam a Ilha pelos olhos do xeique de Dubai. Quero ainda ver você, Venâncio, sorrindo e dizendo para o mar: fique na tua que as coisas já estão melhorando.
Nota: O autor Laudelino José Sardá. Jornalista e Professor da UNISUL. Ilhéu. Nascido em Florianópolis,Ilha de Santa Catarina e tem dedicado a sua vida a defender as boas causas da terra catarinense. Sempre voz forte na imprensa ou na sala de aula como professor.
Atualmente, é Diretor da Editora da UNISUL – Universidade do Sul de Santa Catarina.
Crédito Imagem – A foto é acervo da Coluna Ponto Final, do Jornal ND da RIC Record. Forte Santana,Ilha de SC; Data:2011.