(Era uma vez um lavrador que, ao fim da tarde, cuidava do seu jardim,
© MTCabral, 2013)
MENINO JESUS ENTRE OS DOUTORES
Mário T Cabral, 2013
38. QUARESMA 2013
f) VIDA E ORAÇÃO
Os Terceiros são convocados, pela Regra, à Liturgia das Horas. Quando professam, é-lhes ofertado um livrinho de capa castanha com o título VIDA E ORAÇÃO. Mais do que o hábito, mais do que o tau, ele mudará as suas vidas.
Na essência, é muito semelhante ao dos frades e das freiras, se bem que não traga o Ofício de Leitura e a salmodia seja mais simplificada, em atenção ao facto de se tratar duma Ordem que está no mundo, rodeada de afazeres práticos.
Mesmo assim, alguns irmãos trocam de livro, pelo gosto confesso do convívio com os textos dos primeiros séculos da Cristandade, que ainda fecundam a atual vida da fé.
Antigamente não era assim, porque muito povo não sabia ler, muito menos Latim. O Ofício era, então, substituído pelos “Doze Pai-Nossos”. Ainda hoje os velhos perguntam, à socapa, como quem não quer a coisa: “Ainda se usa os doze Pai-Nossos?”
Sim; no caso do trabalho retirar o tempo para as Laudes, Hora Intermédia e Vésperas, o Terceiro deve rezá-los, ora a guiar a carrinha do gado, ora a fazer as camas e a cozinhar – se for o caso, repartidos ao longo do dia.
São doze Pai-Nossos, Ave-Marias e Glórias, que devem refletir sobre os passos da Via-Sacra, a invenção maior dos franciscanos, em termos de oração. Qualquer irmão pode fazê-lo, por mais analfabeto que seja.
À noite, só não tem tempo para Completas quem não quer.
Nas ilhas, porém, o luxo estava no Terço, rezado diariamente em família, oferecido pelo pai. Muitos Terceiros confessam que entraram para a Ordem porque foram criados neste embalo; não é a pior forma de o fazer, digam o que disserem.
No atual estado da decadência ocidental, parece um sonho. Era esta prática intimista que dava substrato às festas do Espírito Santo, agora cada vez mais paganizadas e folclóricas.
Sempre que possível, os Terceiros deverão assistir à Missa diária; nenhuma oração a substitui. Não vale virem com a desculpa que a vida moderna não se coaduna, pois trata-se da salvação da alma. Muitos conseguem, e têm vidas bem complicadas. É uma questão de prioridade.
Às vezes perguntam aos Terceiros “o que é que eles fazem”. Eles até dão cartas, neste campo, desde os hospitais, as misericórdias, etc. Mas, bem no fundo, o que os distingue é “serem” leigos que passam a vida a rezar.
Tudo muda, quando o tempo é entrançado assim com a eternidade. Pouco a pouco, aquele que persiste nesta prática vê-se transformado noutra pessoa. A oração conduz às obras de misericórdia, ao jejum, à abstinência e à frequência dos outros sacramentos.
Mário Cabral Natural da Terceira, Açores é professor no liceu de Angra. É Doutor em Filosofia Portuguesa Contemporânea, pela Universidade de Lisboa, com Via Sapientiae – Da Filosofia à Santidade, ensaio publicado pela Imprensa Nacional – Casa da Moeda (2008). Para além do ensaio, publica poesia e romance. O seu último livro de ficção (O Acidente, Porto: Campo das Letras) ganhou o prémio John dos Passos para o melhor romance publicado em Portugal em 2007. Está traduzido em inglês, castelhano e letão. Também é pintor.