Vidas – Mulheres Açorianas
Não é literatura, mas tem alma, emoção e testemunho, como poucos! Este Vidas – Mulheres Açorianas, é mais do que um simples livro, em boa hora editado, com chancela das Letras LAVAdas e ASSP Açores (Associação de Solidariedade Social de Professores), e apresentado, em Ponta Delgada, no Dia da Mulher. Este é um primeiro passo de outros que se lhe devem seguir, na perpetuação da memória e de memórias do progresso social, cultural e afectivo dos Açores, feito no feminino.
São dezoito as mulheres açorianas, independentemente do lugar ou país onde tenham nascido, que constituem este magnífico projecto coordenado por Ângela Furtado-Brum e em que, para além dela, figuram os nomes das professoras Ana Rosa Costa, Corália Furtado, Fátima Sequeira Contente, Manuela Vaz de Medeiros, Margarida Enes e Maria do Carmo Correia e o professor Jaime Figueiredo.
Da leitura deste Vidas, que se faz com gosto e com proveito de muito aprender – não fossem professores todos os seus autores – fica também um substracto de humanidade a que nenhum leitor se sentirá alheio. E é isto mesmo que nos diz o meu Amigo, desde a distante infância e juventude, Professor e escritor Urbano Bettencourt, no seu prefácio ELAS: “Se estas Vidas conseguirem, em síntese, aproximar-nos mais destas mulheres, do seu universo pessoal, e revelar-nos uma outra dimensão para lá da superfície e do quotidiano, mesmo daquelas que conhecemos pessoalmente – então elas terão cumprido um dos seus objetivos centrais, o de evitar o silêncio e o esquecimento e de, ao mesmo tempo, relembrar-nos como a vida individual se faz também de pequenos gestos e de sonhos e cuja concretização se projeta, sob diversos modos, no mais vasto mundo coletivo”.
E, depois de o Editor de Letras LAVAdas, José Ernesto Resendes, me ter deixado o livro, a primeira emoção veio-me pelos nomes constantes do índice, por ordem alfabética, a melhor maneira de conferir igual dignidade ao valor multifacetado de cada uma das biografadas, grandes, entre muitas outras grandes Mulheres dos Açores. E não resisto a deixar aqui os seus nomes, pela mesma ordem, como aperitivo tentador a quantos venham a ler esta obra, apenas com 400 exemplares de tiragem: Alice Atayde; Amélia Enes, Ana Braga; Ângela Alonso; Cecília do Amaral; Cecília dos Santos; “Djuta” Bem-David; “Iracema”, Silvina de Sousa; Leonor Frazão; Margarida Garcês; Maria do Rosário Nascimento; Maria Teodora Borba; Mère Paul du Christ; Natália Almeida; Natália Correia; Regina Tristão da Cunha; Rosa Fontes.
Com muitas delas me cruzei na vida, e com outras se cumpre aquilo que escreve Ana Isabel Serpa, na contracapa do livro: “A maioria destas narrativas retira do anonimato vidas de mulheres açorianas do século XX que se destacaram pelo papel determinante que exerceram em prol da sua família e da comunidade”.
De todas as mulheres biografadas, a que me foi mais próxima, na Calheta onde resido, foi Natália Almeida, a professora, educadora, investigadora, escritora e defensora de causas, magnificamente retratada neste livro. E confesso que no meu “cantinho das vaidades” (ou será de afectos?) senti uma interna alegria por me ver citado, numas linhas que escrevi no “Correio dos Açores” aquando da sua morte. Mas, como me enterneci ao ler o testemunho daquela grande mulher, Ana Braga, que para mim era desconhecida! E como revivi alguns encontros que tive na Graciosa, com a Professora Teodora Borba, no Museu que era a sua paixão e que ela tanto impulsionou e dignificou e de que continua a ser referência indissociável.
Por isso mesmo, identifico-me plenamente com o que disse outra grande Mulher a quem os Açores e a sociedade açoriana tanto devem e que foi a apresentadora da obra: a Professora Teresa Medeiros:
A obra coletiva que produziram, bem escrita e bem concebida, original (ela em si criativa e aberta) honra os professores, destaca os autores, eleva as homenageadas e enobrece o espaço de escrita criativa, muito bem orientado com a maestria, a simplicidade, o profissionalismo e a competência da professora e escritora Ângela Furtado-Brum, a quem devemos mais esta iniciativa. A obra consubstancia um legado cultural para a história do nosso povo açoriano, particularmente no que às mulheres diz respeito.
E, pondo o dedo na ferida, a apresentadora acrescenta, com a acutilância que lhe conhecemos:
“Numa altura em que parece sobressair um pensamento ditatorial e uma prática hegemónica, discriminatória, discricionária, predominantemente tecnológica e desumana, valorizar o ser humano e as estórias e trajetórias de vida é sempre motivo de regozijo. Mas valorizar as mulheres, quase sempre esquecidas, quase sempre relegadas para um plano secundário, mesmo quando ocupam os lugares cimeiros por mérito próprio e que conciliam a profissão com um sem número de funções e tarefas eficazmente, é motivo de enaltecimento, de coragem e até um dever público para a construção de uma sociedade mais inclusiva, paritária, justa e humana”.
Ao ler estas quase quatrocentas páginas, e sabendo que, mesmo em minha casa e no meu coração tenho uma dessas mulheres fortes, capaz de tudo pela felicidade dos outros, senti que para o equilíbrio social que tanta falta está a fazer neste tempo de perda de valores, é necessário abrir tantos palcos de amor, ocultos no silêncio de cada dia. E este livro consegue ser uma pequena constelação de afectos no universo de vidas vividas, sentidas e sofridas que são os alicerces deste edifício chamado Açores.
E, novamente me socorro de palavras de Teresa Medeiros: Efetivamente o livro “Vidas: mulheres Açorianas” também concorre para uma sociedade açoriana mais enriquecida, porque através desta obra valorizam-se vidas de mulheres que desnudam o património do nosso povo, venceram os seus medos, ultrapassaram barreiras sociais, difundiram a cultura e o sentir açoriano e enriquecem a construção do nosso imaginário coletivo e a nossa identidade açoriana. – ser-se mulher e ser-se mulher açoriana”.
E, já que aqui falo de Mulheres, das autoras, das biografadas e da apresentadora, seja-me permitido deixar a sugestão do quão bom seria a publicação, em forma e lugar próprios, que não as efémeras páginas de um jornal, da brilhante e profunda apresentação que produziu, sendo caso para dizer “bendita gripe” que fez com que, da leitura destas Vidas, saísse uma apresentação para a Vida!
Num livro como este, sem pretensões literárias, há porém, um cuidado linguístico digno de registo, num tempo em que se assiste, cada vez mais, à escrita “em mangas de camisa”. Eu diria que as suas autoras, e o autor – Não esquecer que há o Professor Jaime Figueiredo – no elenco dos “biógrafos”, fizeram questão de não despir a bata do magistério e do ensino, na sua maneira de escrever, de contar e de comentar.
Foi minha leitura em Semana do Dia da Mulher, mas estas Vidas continuarão a acompanhar-me, porque tantas e tão boas memórias não podem ficar adormecidas nas páginas do livro, nem numa prateleira de estante. E, por isso mesmo, agradeço aos seus autores e à editora, a oportunidade de ter lido e a possibilidade de, nestas Leituras do Atlântico, deixar este meu humilde, mas sincero, testemunho!