Santa Maria
Vagas do mar sem fundo! Estrelas do céu sem fim! Santa Maria é a esfinge misteriosa de um sonho sem medida. Porque és tu o limiar da história destas ilhas. E porque cabes inteira no meu peito. Gravei em mim a brancura meridional do teu corpo. A cerâmica do teu olhar. A tua pedra calcária. As tuas baías profundas. As tuas enseadas amenas. O teu Pico Alto de ver e sentir que estou no ponto mais oriental de mim próprio…
Procurei-te em Santo Espírito, junto de uma chaminé de algarvias formas. Despertei o teu amor no Farol da Ponta do Castelo…
… E deitei-me contigo na Praia de S. Lourenço. Era noite húmida de lua cheia e escutámos gemidos de ninfas e centauros que se entregavam alegremente em orgias de areia, espuma e mar. Por isso, tu e eu, tombámos exaustos e dormimos o sono saciado e tranquilo dos deuses.
S. Miguel
Ah, a Lagoa deste Fogo de te amar até mais não! Ah, lagos e crateras deste desejo, ai fumarolas de eróticas fendas…
Tu, meu amor, és a respiração da terra! És as Sete Cidades do meu paraíso perdido! És a princesa encantada escondida no fundo das águas, emergindo nas noites de luar para tomar posse do teu reino!
Ilha verde que trago na lembrança. Parques feéricos e jardins do meu sonho. Ananás da ternura. Cozido no calor da terra. Chá da tradição. E tabaco do meu vício… Portas desta cidade Ponta Delgada. Doca e Avenida de ficar em terra a ver navios… E nevoeiro histórico de romeiros em devoção. E milagres do Senhor Santo Cristo. E um povo que trabalha e tem fome de sonho e sede de infinito…
Acredita, meu amor: nos abismos do teu mar flutuam atlântidas adormecidas, guardadas por peixes monstruosos e polvos de tentáculos colossais!
Terceira
Poderia chamar-te a ilha dos monumentos e dos cronistas, tu que és a mais histórica destas históricas ilhas… Poderia falar das tuas fortalezas, dos teus conventos, das fachadas das tuas casas renascentistas…
Poderia até chamar-te Angra do Heroísmo, cidade vaidosa do património mundial! Ou então Praia da Vitória, terra-mãe de Nemésio que ninguém leu.
Ah, sim, e poderia falar das tuas touradas e da euforia das tuas festas! Tanta coisa que eu poderia dizer do teu povo festivo e festeiro. Dos teus arraiais. Dos teus impérios. Das tuas alcatras suculentas. Da tua massa sovada de apetecer. Do teu alfenim conventual. Das tuas Danças de Entrudo. Da ternura que contigo partilhei no Jardim. Dos beijos que contigo troquei nas banquetas do Pátio da Alfândega. Das tuas quintas de S. Carlos e das tuas matas da Serreta…
Mas não. O que quero mesmo é repousar o meu olhar no teu Monte Brasil. E imaginar que vou partir por esse mar fora! E viver intensamente o bulício a bordo de paquetes iluminados. E respirar, no convés, a amplidão dos horizontes. E, depois, recolher ao camarote e adormecer. Com as vagas por travesseiro.
Graciosa
Tu és Antília, ilha fêmea e feminina!
Bendigo-te e bendigo a tua vulva vulcânica – a inquietante beleza da tua Furna do Enxofre…
Bendigo a limpidez do teu céu e a transparência do teu mar! Bendigo as tardes de banho no Carapacho e na Praia. E bendigo a tua Vila de Santa Cruz, as araucárias da tua Praça, o traçado elegante das tuas casas sóbrias e solarengas, os teus Pauis que espelham quietude e beleza…
E benditos sejam os teus moinhos de vento e as tuas queijadas que me dão amor. E bendita seja a tua aguardente envelhecida em cascos de carvalho. E o aroma da meloa dos teus lábios.
Bendita seja a tua alegria de viver e a folia da festa dos teus bailes de Carnaval! Bendito seja o teu povo pacato, afável e laborioso.
Quero-te e desejo o teu corpo salgado. E estou sentado à beira da tua memória – ó minha amada, gloriosa e graciosa ilha!
São Jorge
Contigo sonho viagens longínquas. Encho o olhar de falésias alcantiladas. Busco ilhas encantadas de azul. Escuto a música das marés e o canto dos garajaus. E, no mar alto, admiro os navios que passam e a sombra dos seus cascos reflectidos na água.
São Jorge é um navio que deu à costa nos baixos da Urzelina. E é também uma ilha que é comprida como a minha saudade e escarpada como a minha emoção. Das suas montanhas vejo as quedas de água que se precipitam vertiginosamente sobre o oceano.
Desço às Fajãs que me extasiam e me transportam às regiões mais fantásticas do sonho. Faço a prova de um queijo secular que é a riqueza da ilha. Dão-me a conhecer mantas que são poemas bordados à mão.
Espero-te no cais das Velas. Para contigo apanhar o próximo barco que nos transporte para o lado de lá de tudo isso.
Pico
Ilha da majestosa montanha, que é teu seio de deusa deitada de costas no meio do Atlântico… Maravilha de lava e mistério! Farei a escalada até ao mamilo do teu Pico Pequeno! A exaltação de te abraçar, bem lá no alto. Porque em ti é que bate o coração do arquipélago.
Ilha vulcânica de pedras negras, por entre as quais brota o vinho verdelho que chegou à mesa dos Czares. Ilha epopeia dos maroiços e da solidão petrificada.
Ilha dos baleeiros que arpoaram o pão, o sonho e a esperança – homens que desafiaram a vida pela morte do Leviatã – o majestoso senhor dos mares.
Terra Alta contemplativa. Canal de tanta viagem. Efeito mágico de tanta luz. Amora e picão de silvado. Solar de encantar. Poço de maré. Vindimas de Agosto. Lajes, passado e tradição. O teu nome escrito numa pedrinha do Cais do Pico. E este povo simples, rijo e hospitaleiro. A trabalhar na terra e no mar.
Ilha das adegas, das vinhas, dos baldios, dos alambiques. Ilha ancestral, poética, profunda e selvagem. Como tu, Madalena, ó minha amada.
Faial
Minha ilha marinheira, de cabelos desalinhados pelo vento. És apetecível como a quilha de um barco. Ou como a boca que sabe a cerveja. Ou como o gin tónico da amizade universal.
Os turistas nunca compreenderão as cinzas aquietadas do teu Vulcão, nem a catedral do silêncio da tua Caldeira. A tua verdade mais profunda está na luz marítima da tua cidade da Horta. E está na viagem mil vezes retomada. Porque em ti cabem todos os veleiros do mundo.
Esperei por ti no Café da Marina. Tardaste e entretive-me a olhar os iatistas a caminharem, com gestos lentos, por cima dos pontões. Eles, de troncos nus e reluzentes, são os lobos dos sete mares, altos e trigueiros. Elas, de cabelos loiros e olhos límpidos de mar, são sereias ondulantes… Ei-los que chegam trazidos por ventos de feição. Aqui repousam das marítimas aventuras. Aqui retemperam forças para retomar a roda do leme. Aqui festejam a alegria reencontrada dos sentidos…
… E depois partem. Porque a errância é o seu destino, a sua forma de perseguir a felicidade e o sonho. Lá vão eles. Oceanicamente livres.
Corvo
És a ilha mais pequena, mas no teu Caldeirão cabem todas as ilhas deste mundo!
Percorro a tua Vila Nova, sinto a tua realidade e o peso do Tempo e vejo os teus velhos sentados ao sol. A cumprirem os mesmos ciclos de vida, os mesmos ritos ancestrais.
Escuto a tua voz insulada, ó minha tão amada e mítica ilha. Partilho a tua solidão e sei da tirana saudade varada no fundo do teu peito! Imagino Américas douradas de esperança. E, na distância, avisto um barco e o sonho da partida.
As vagas varrem o teu cais. Ah, esse mar que constantemente bate no costado deste navio que é a tua vida.
Ah, quem me dera ir para longe. Atravessar todas as milhas marítimas de todos os oceanos. Para visitar a beleza náutica das cidades luminosas e marítimas.
Flores
Que farei, meu amor, com esta ilha retratada na água funda e azul dos teus olhos?
Quanto ouro naufragado na profundidade adormecida do teu mar! Quantos esqueletos de barcos afundados! Quantas tábuas inchadas do naufrágio! Quantas âncoras de búzios e corais! Quantos palácios de algas e sargaços! Quantos destroços flutuantes no vaivém das ondas.
Há quem te chame Jardim do Atlântico, ou Suiça Açoriana. Prefiro o teu verdadeiro nome: Flores.
Toco o teu corpo vestido de hortênsias. Saio de Santa Cruz e percorro montanhas e socalcos, ribeiras e lagoas idílicas. Há frescura e fascínio nas tuas águas correntes e, espectáculo imponente, é mesmo a tua Rocha de Bordões. Não consigo chegar às Lajes. Perco-me na vegetação da tua terra endémica…
Faço-me então ao mar e passo pelo teu ilhéu de Monchique. Esfrego os olhos de nevoeiro e estou no ponto mais ocidental da Europa. E é ali que me dás o beijo madressilva da tua boca, vermelha e salgada como as guelras do cherne.
Crédito imagem:António Oliveira
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Notas Biobliográficas:Victor Rui Ramalho Bettencourt Dores nasceu no dia 22 de Maio de 1958, na vila de Santa Cruz da ilha Graciosa, Açores. Licenciado em Germânicas, pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa, é actualmente professor na Escola Secundária Manuel de Arriaga, e, na cidade da Horta, desenvolve apreciável actividade cultural. Com vários livros publicados, é poeta, romancista, ensaísta, crítico literário, cronista, etnomusicólogo e linguista. Colabora regularmente nos jornais, na rádio e televisão dos Açores e está ligado à actividade teatral como actor e encenador.
Produção Literária: Poemas de Mar e de Fogo(poesia), 1978;Grimaneza,ou um Barco Chamado Desejo(contos),1987; Entre o Cais e a Lanche(poesia),1990; À Flor da Pele(poesia),1991; Sobre Alguns Nomes Próprios Recolhidos na Ilha Graciosa (ensaio),1991; Histórias em Peripécias,1990; Bons Tempos (crônicas),2000; Açores, as Ilhas Ocidentais – Azores,the Western Islands (albúm fotográfico),20004; A Valsa do Silêncio (romance),2006; A Graciosa Ilha(texto/fotos de José de Nascimento),2009.