Vovó vê a Copa
Sou de muito antigamente. De uma longínqua era em que senhoras e senhoritas de fino trato não falavam palavrão. Os cavalheiros, corteses, não ousavam murmurar nem meleca em nossa frente. Acreditem: sou tão, mas tão anciã, que as minhas amigas mais chegadas e eu, com quem tomo chá semanalmente, fomos tombadas pelo Patrimônio Histórico Nacional. Plástica, se desejarmos, só com autorização do IPHAN. Ainda por cima, cresci no colégio Sacré Coeur de Marie, no tempo em que lá se falava francês. Resumindo: além de pertencer à elite branca, racista e preconceituosa – com muito orgulho e muito amor -, também sou metidíssima a besta. Et alors?
Apesar de tanta frescura, faço parte do time que não viu nenhum escândalo em mandar a senhora presidente da república tnc. Não considerei ofensa a chefe de estado, à mãe, à avó, à senhora, a sei-lá-mais-quem. Aquele coro foi uma catarse, o grito de revolta de um povo que já não aguenta mais tomar no próprio e resolveu avisar que está chegando a hora de virar o jogo. Espanto, senti mesmo foi com a reação dos governistas. Num país onde palavrão virou vírgula, adjetivo, exclamação, advérbio e interjeição, onde, publicamente, um ex-presidente chamou o outro de fdp, não sei de onde saiu tanto constrangimento. O súbito ataque de moralismo foi forçado e foi hipócrita. Todos os que tentaram posar de enfant du Sacré Coeur cansam de mandar os semelhantes, de todas as idades, sexos e classes sociais, fazer exatamente a mesma coisa. Voilá.
Registrado meu apoio ao saudável vtnc, vamos a pequenos comentários sobre a Copa que, espantosamente, está andando direitinho. Não me deterei na cerimônia de abertura, assunto requentado, todo mundo reclamou. Apenas assinalo que as pretensas araucárias mais pareciam brócolis passeando de skate. Custei a decifrar o mistério e, se o locutor da tevê, socorrido por um release, não esclarecesse o distinto público que as pranchas nos pés da hortaliça (ou árvore) serviam para não estragar o gramado, morreria sem entender em que, diabos, brócolis skatistas nos representam. Nem falo da Claudia Leitte e Cia Ltda. No Brasil, a gente se habituou a jogar dinheiro fora. Dezoito milhões para aquela festinha de fim de ano de colégio rastaquera? Algo está muito errado…
Vou logo avisando que nada entendo de futebol e não gosto de discursos politicamente corretos. Escreverei o que me der na telha e peço desculpas se ofender alguém – c´est de ma faute. Por exemplo, nada me impressionou mais até agora do que a saúde dos jogadores nigerianos. No jogo contra o Irã, eles correram desenfreadamente. Sei que há uma teoria defendendo a constituição física dos negros para os esportes de velocidade: a maioria seria geneticamente programada para se destacar como velocistas. Mas, assistindo a partida, lembrei-me da gracinha recorrente na primeira metade do século passado: africano corre muito porque, desde os primeiros passos, precisa fugir dos leões. Genética ou medo de leão, o fato é que a partida entre o Irã e a Nigéria pareceu um jogo de ping-pong. Os nigerianos, desabalados, andavam com a bola de um lado para o outro em segundos. Fiquei exausta.
Amei o sucesso da Holanda, acho que será a campeã. Mas não compreendo essa história de chaves. Italianos e ingleses jogaram na sauna de Manaus e, nitidamente, os dois times chegaram aos noventa minutos com a língua de fora. Nigéria e Irã passearam numa arena em Curitiba. Ou seja, quem está habituado ao frio, esforçou-se na umidade e no calor extremos. Mas, quem conhece temperaturas altas, recebeu o fresquinho do Paraná. Já tentaram me explicar que foi sorteio, etc. e tal, não havia nada que pudéssemos fazer para consertar tal lambança. Je ne peux pas croire. Poderíamos ter sido mais inteligentes. Afinal, cabeça não serve apenas para separar as orelhas.
Falhou o sistema de som na Beira-Rio e as seleções da França e de Honduras ficaram sem seus hinos. Vexame desnecessário, não havia uma bandinha para resolver a emergência? Os uruguaios animaram a mulherada com seus peitorais malhados e a camisa justa, tipo mamãe-sou-lindo. A cidade de Natal, em declarado estado de calamidade pública, naufragou no dia do embate Estados Unidos e Gana. Eu não acredito, mas corre à boca pequena que a América do Norte enviou um porta-aviões para desembarcar, em segurança, os seus atletas na arena das Dunas – dis donc… A Alemanha usou e abusou dos bons ares de Santo André, na Bahia, e derrotou Portugal com a pressa de quem queria mesmo era voltar para a sua praia, sua rede, o seu pé de coco verde – eita, meu rei, bom demais. Falando em coco, nos surreais cardápios traduzidos, alguns restaurantes oferecem shit water. Nem o vtnc da Dilma é mais espantoso.
Muito mais poderia escrever, mas não cansarei os meus amáveis leitores. Ainda há Copa e fofoca para muitas crônicas. Por hoje é só.
Changeons de sujet: alguém aí ainda se lembra da proposta de Regulamentação e Atuação dos Conselhos Populares?
Il est bom de faire attention. Enquanto a bola rola, neguinho pode inventar de levar a homenagem à Dilma ao pé da letra e contra nós.
Aí, queridos, c´est fichu…
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Angela Dutra de Menezes é escritora e jornalista