WILLY ZUMBLICK – INIGUALÁVEL!
Para mim, falar sobre Willy Zumblick flui tão fácil como comentar sobre um tio que, com o passar do tempo, virou irmão mais velho. A primeira tela que ornou a sala de visitas da nossa casa é uma tela impressionante, intitulada “Tropeiros”, que estão tocando uma boiada numa estrada rústica, em que só falta o “cheiro” da poeira, ali retratada, nebulosa e sufocante. É uma preciosidade de 1948, que está na residência de minha irmã Teresinha.
À medida que eu crescia, a cada viagem do meu pai a Tubarão, onde ele era sócio da revenda Ford, mais telas fascinantes povoavam os espaços mais nobres da casa. Sala do piano (que, dos irmãos, fui o único que não aprendeu a tocar), de visitas, de jantar, a copa, os quartos e a biblioteca (os livros, comprados a metro, segundo o jornalista Rubens de Arruda Ramos, iam reduzindo espaços) foram sendo enriquecidos pelas telas de Zumblick.
Somente adulto, vim conhecer esse personagem familiar a quem eu nunca tinha sido apresentado. Foi a primeira vez que cumprimentei um “velho” e querido amigo. Bastou o olhar para saber que além de velha era uma amizade para sempre!…
Ao longo de nossas vidas, pude conhecer os vários artistas e os muitos personagens que habitavam essa criatura a quem Deus, com generosidade e sabedoria, concedeu tantos atributos.
A primeira constatação – relativamente a essa generosidade divina – é de que, antes de artista, Willy foi cidadão prestante, figadalmente leal, apaixonado pela sua terra e por sua Gente. Conseguiu a proeza de fazer com que tanto talento coubesse em tão pequeno, mas muito querido espaço territorial. Pai de família dedicado e exemplar, acima de tudo, soube ser esposo enamorado e carinhoso de sua querida Célia. Quando esta o deixou, logo ela, que cuidava dele como ninguém, pareceu ter dado por finda sua vontade de aqui ficar. Nós, que vivenciamos aquele momento, avaliamos que, não tendo sido possível que a partida fosse simultânea, restou incongruente a cronologia determinada pelo Destino. E, no íntimo, lhe demos razão.
A mencionada generosidade de Deus resultou nos múltiplos e vários artistas expressos no nosso artista maior! A intimidade me permitiu visitar seu estúdio. Esculturas, trabalhos em metais, em argila, concreto, gesso, penas, conchas, alvenaria, pedras, além das pinturas, nasceram naquela oficina-central de produção, amassadas, incrustadas, moldadas, pintadas, mas, acima de tudo, concebidas por aquele cérebro privilegiado em percepção e inspiração, servido por mãos e dedos competentes, decididos e enérgicos. Isto sem mencionar o contista e versejador, cujas “quadrinhas de pé-quebrado” põem fecho aos contos que compõem o livro “Entre Penas e Pincéis”. Aliás, tive o privilégio de receber alguns desses contos à medida que Willy os concluía. Destaco dois contos que se entrelaçam “O Retrato de Sua Excelência Sumiu” e “O Retrato Apareceu”. Nesses textos é relatado o evento da posse de Dom Anselmo Pietrula na Diocese de Tubarão, os esforços pessoais de Zumblick para preparar os quatro “Arcos do Triunfo” que ornaram a Praça da Matriz e o desaparecimento – e posterior resgate – do retrato do Bispo. São, a meu ver, uma espécie de atualização do apólogo “A Agulha e a Linha”, de Machado de Assis, em que o autor (a linha) é, na hora do festejo, solenemente esquecido. Os contos me foram enviados pelo bilhete abaixo reproduzido e tiveram como fechos as quadrinhas igualmente reproduzidas a seguir.
QUADRINHA DE PÉ QUEBRADO
Devolva o retrato do velho
Coloque no mesmo lugar
O caso é muito sério
Antes que alguém vá buscar…
QUADRINHA DE PÉ QUEBRADO
O quadro foi festivamente pendurado
O salão tomou-se mais enriquecido
Foram muitos os convidados
E o pintor? Esse foi novamente esquecido
Aliás, suas muitas mensagens, sempre sucintas e muito fraternas, encorajadoras e objetivas, constituem marca indelével de uma amizade extraordinária.
Suas produções jamais tiveram meio termo; os pecadores pecavam por todos os poros; os virtuosos transbordavam virtudes pelos olhos e pelos dedos do pé. Sendo este o caráter do artista, seus frades são gulosos, gorduchos e bonachões, de faces coradas e mãos gordas, roliças, verdadeiras encarnações do Frei Papinha, do filme “Marcelino – Pão e Vinho”. Os frades jogadores de truco debocham sarcasticamente uns dos outros, sem qualquer preocupação com os ditames da caridade cristã.
Os diversos figurantes das suas belíssimas “Bandeiras do Divino” têm cores e movimentos determinados e complementares, de sorte a formar grupos vivos e harmoniosos. As piegas demonstram absoluta credulidade e a “galera” exibe a mais açoriana e desabrida curiosidade; seus arteiros e artistas são alegres e aplicados.
Suas outras obras, especialmente outras pinturas, revelam, independentemente da fase, estilo ou “escola”, a personalidade forte do criador e autor.
Extremado amigo, deu à Angela, minha companheira de vida, ares de Anita Garibaldi, a guerreira dos dois mundos que fascinou e fez apaixonados, tanto seu irmão Walter Carlos (autor de “Aninha do Bentão”) quanto Wolfgang Ludwig Rau.
Dentre suas telas, as do Contestado (peço perdão pela explicável preferência) nos deram contemplar, quase que com exclusividade, as expressões e os rostos mais impressionantes do “Homem do Contestado”, esse personagem absolutamente catarinense e quase esquecido.
Miséria, revolta e tristeza, fé e esperança estão estampados de forma dramática nos rostos e nas atitudes dos seus personagens, vítimas do modelo político e econômico extrativista que condena, de forma impiedosa, as mais ricas nações ao jugo da desigualdade. Suas expressões são um libelo contra tal modelo, que aliena e explora sem limites, negando educação, saúde (somente naquela época?) e serviços públicos minimamente satisfatórios. Um olhar mais detido sobre qualquer dessas telas dará a conhecer o artista politicamente engajado e consciente, compartilhando o lado dos excluídos, dando-lhes – na tela – atitude altiva e voz potente! Sim, as telas de Zumblick lhes concedem o que a hi pocrisia e a ganância das chamadas “elites” negaram e negam!
Mencionei acima a sabedoria de Deus para me referir à Sua boa escolha em termos de destinatário de tantas graças. Isto porque a todos esses atributos Willy dedicou perseverante atenção, fazendo-os todos “talentos” que desenvolveram e multiplicaram suas potencialidades. Se fosse cobrada prestação de contas, nos termos da parábola dos talentos, o Grande Juiz não esconderia o sorriso e diria: “Chega-te aqui, filho querido! Não te dei nada que não tenhas tratado com amor, disciplina e criativa determinação! És, pois, o servo bom e fiel, o bom exemplo de que preciso!”.
E nós, seus devotos admiradores, poderíamos tomar carona e dizer: Obrigado, Willy Zumblick! Parabéns, Tubarão! Salve, Santa Catarina!
Esperidião Amin Helou Filho
(*)O autor, Esperidião Amin Helou Filho, é advogado,professor da UFSC. É uma das mais importantes lideranças políticas do País,tendo exercido diversos cargos eletivos. Foi Prefeito Municipal de Florianópolis,Deputado Federal, Senador da República, Governador do Estado de Santa Catarina e,atualmente,é Deputado Federal.
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Nota: O artigo foi originalmente publicado na revista Histó
ria Catarina, Lages, Ed.Leão Baio. Edição especial do Centenário do artista Willy Zumblick,Setembro,2013. Aqui reproduzido com a autorização do Deputado Esperidião Amin Helou Filho,a quem agradecemos.