-Zumblick levou seus segredos…
por
Sérgio da Costa Ramos
Os olhos de Willy Zumblick transmitiam o fulgor de sua arte ao rosto dos seus retratados, ou à face de suas carrancas – um lume que combinava com a sabedoria dos seus 95 anos.
Era um multifacetado pintor e escultor regionalista, um autodidata que fez do pincel e do cinzel uma extensão da arte pura dos intuitivos e dos virtuoses.
Zumblick é dono de uma extensa obra plástica e pictórica de imenso valor cultural e popular. O grande retratista e realista tinha um traço único, de um talento superlativo e de uma densa fidelidade ao “real”, mas também de uma inusitada reverência ao caricato, como no caso de suas carrancas.
Devotado à pintura desde criança, começou a aplicar nos cartazes dos cinemas da sua Tubarão o que aprendera nas aulas de desenho do Colégio São José.
Pintava e vivia a vida da “Cidade azul”, sua bem amada querência, sempre retratada desde os primeiros esboços que refletiam a Tubarão ribeirinha, a relojoaria do pai, o Cine Yolanda, os bailes, os saraus, as serestas, os amigos e um apostolado – a dedicada “entrega” do inquieto espírito criativo à pintura e à escultura.
Com uma temática variada e abrangente – em que foi historiador, retratista, folclorista e tradicionalista, espalhou pelo Estado e pelo país o seu traço iridescente e o seu olho rútilo de testemunha ocular da história. São dele os quadros mais expressivos da grande saga do “Contestado”, os “testemunhos” da epopéia de Giuseppe e Anita Garibaldi e o grande mosaico de uma obra variada, que incluía os “flagrantes” da cultura popular, como as Bandeiras do Divino, o Boi-de-Mamão, o Pau de Fita, as rendeiras, os imigrantes e seus hábitos – os monges, as ciganas, as paisagens, as caricaturas.
Enfim, uma obra múltipla e ciclópica, genuína explosão de uma arte epidérmica, que brotava de sua usina criadora, sem o menor temor de criar exemplares “menores”, num viveiro de quadros grandiosos.
Sem jamais ter sido um acadêmico, Zumblick estudou pintura com Guilherme Lob, em Porto Alegre, e desenho e escultura com Moacir Fernandes, na Escola Nacional de Belas Artes. Realizou uma centena de exposições individuais e coletivas no sul do país, Rio de Janeiro e Brasília. Executou telas que narram a história de Santa Catarina, Vias Sacras nas igrejas de Tubarão – e esculpiu, em aço, cimento e bronze – grandes monumentos da arte popular, como os erguidos em reverência “Às Mães” e aos “Caminhoneiros”.
Guardo deste mestre uma “cigana” de coriscante olhar, de uma “luz” tão comovente que o próprio Garcia Lorca a elegeria como a a verdadeira síntese da “liberdade” gitana.
Em sua obra, fica a fidelidade do cronista sócio-histórico e a lira de um poeta do cotidiano.
Picasso costumava dizer que a arte de pintar é uma “receita” única, um segredo perdido que os mestres levam consigo. Zumblick tinha os seus. E soube cultivá-los e guardá-los para o grande mosaico da arte catarinense
Jovem ainda aos 80 anos, Zumblick agradeceu à pintura a longevidade que começava a desfrutar. “Sempre tenho novas idéias para transpor para a tela”.
Aos 95 anos de uma vida intensa e produtiva, Zumblick nos levou este segredo, que Santa Catarina haverá de eternizar para a posteridade da arte.
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