O jornalista, aposentado desde 2016, usa como pretexto para a sua produção literária um acontecimento ocorrido em 1960, quando um pai comunica a um filho de seis anos, que não possuía um braço, que terá que ficar nos Açores e não integrar a família no seu processo de emigração, devido à sua limitação física.
Segundo os historiadores, a primeira emigração com características sistemáticas dos Açores foi com destino ao Brasil, nomeadamente para o sul do país, em 1847, com a saída de cerca de seis mil pessoas, tendo-se verificado após este período um grande fluxo migratório em finais do século XIX, início e metade do século XX para os estados de São Paulo e Rio de Janeiro.
O escritor refere que a separação do agregado familiar do jovem portador de uma deficiência constitui "um trauma de uma violência que não consegue digerir", sentindo-se a criança "abandonada, rejeitada" e "completamente inútil" numa freguesia onde passa a ostentar a "vergonha de ter ficado atrás" e em que será considerado, na sua própria leitura, "completamente imprestável ao ponto da própria família o abandonar".
Através do livro, com a chancela da editora Letras Lavadas e que será apresentado em Ponta Delgada pela poetisa Renata Correia Botelho, numa sessão com a participação do sociólogo Fernando Diogo, o escritor acompanha a evolução da criança rejeitada, que fica com uma tia.
Carlos Tomé revisita o tema da emigração açoriana porque ele próprio integra uma família de "muitos emigrantes", destacando que, apesar de nunca ter emigrado chorou "muitas lágrimas em aeroportos", porque os pais e alguns dos seus irmãos "chegarem e partiram: todas as vezes que chegavam era uma grande alegria mas quando partiam, partia também algo dentro de mim".
"O ter escrito esta história permitiu-me revisitar um acontecimento que também me marcou. Emocionei-me algumas vezes ao escrever alguns dos episódios que estão no livro da vida desta criança", confessa o escritor.
Considerando que a emigração açoriana é profícua em histórias, Carlos Tomé, de 66 anos – que começou como jornalista em 1965, no jornal Diário dos Açores, tendo sido posteriormente profissional da RTP/Açores e assessor de imprensa do então presidente do Governo Regional Carlos César – refere que era "muito difícil chegar a casa e despir o fato de jornalista ou assessor e vestir o de escritor".
Para o escritor, houve que "formatar a mente para um determinado tipo de escrita e forma de encarar as coisas", tendo a escrita dos trabalhos anteriores sido "muito morosa" por causa deste processo.
Carlos Tomé vê com o interesse o surgimento de uma nova geração de escritores nos Açores, e manifesta-se defensor da existência de uma verdadeira literatura açoriana: "Não há no país, e não houve ao longo de gerações, outra região que tenha sequer parecido um naipe de escritores e poetas como o arquipélago".
"Sempre tivemos uma grande apetência pela criação literária, pela poesia, pela escrita, havendo, de facto, uma literatura intrinsecamente açoriana. Estarem a aparecer sucessivamente novos escritores é a prova da sua vitalidade", considera.
Para Carlos Tomé, um escritor "por ser açoriano e localizar nos Açores determinada história não deixa de ser universal, porque os temas que aborda não deixam de ser globais", exemplificando com o romance "Gente Feliz com lágrimas", de João de Melo, e "Ilha fechada", de Daniel de Sá.
O "Bracinho" é o quarto livro de Carlos Tomé, que publicou em 2002 "A Noite dos Prodígios e outras histórias" (contos), em 2006 "Morreremos Amanhã" (romance) e em 2016 "Um Perigoso Leitor de Jornais".