Emanuel Félix, poeta maior e meu mentor, costumava dar-nos o seguinte conselho: “É bom
que, de vez em quando, o porco ponha o focinho fora do curral”. Queria ele com isto dizer que é
fundamental que sejamos universais a partir das ilhas, não ficarmos nelas fechados e
ensimesmados. (O “porco” deverá aqui ser obviamente entendido no seu sentido metafórico).
Contrariamente ao que tenho vindo a fazer nas páginas deste jornal, desta vez vou olhar
para o que se passa “lá fora”, motivado pela leitura da edição de agosto do “Courrier
Internacional” (de que sou assinante), sobretudo pelo excelente editorial de Rui Tavares Guedes,
intitulado “Fé, Orgulho e Preconceito”.
para o que se passa “lá fora”, motivado pela leitura da edição de agosto do “Courrier
Internacional” (de que sou assinante), sobretudo pelo excelente editorial de Rui Tavares Guedes,
intitulado “Fé, Orgulho e Preconceito”.
Pois bem. Para se entender na sua essência o título desta crónica, parto de um princípio
básico: respeito a fé de qualquer religião desde que ela não se torne um atentado aos Direitos
Humanos. À política o que é da política, à religião o que é da religião. Infelizmente não é isso o que
acontece em muitos países, onde certas religiões são usadas de modo negativo, promovendo até a
guerra, mesmo quando apregoam a paz, a harmonia e a humildade terrena.
básico: respeito a fé de qualquer religião desde que ela não se torne um atentado aos Direitos
Humanos. À política o que é da política, à religião o que é da religião. Infelizmente não é isso o que
acontece em muitos países, onde certas religiões são usadas de modo negativo, promovendo até a
guerra, mesmo quando apregoam a paz, a harmonia e a humildade terrena.
Com efeito, temos vindo a assistir, nos últimos tempos, a um regresso da intolerância
religiosa, um pouco por todo o mundo. O resultado está à vista com a radicalização da vida política
polarizada entre “crentes” e “não crentes”. Prevalece a velha máxima das ditaduras: quem não
está por mim, é contra mim.
religiosa, um pouco por todo o mundo. O resultado está à vista com a radicalização da vida política
polarizada entre “crentes” e “não crentes”. Prevalece a velha máxima das ditaduras: quem não
está por mim, é contra mim.
Este fenómeno é particularmente visível nos Estados Unidos da América e no Brasil, onde
as igrejas evangélicas estão cada vez mais ativas e intolerantes. Nestes dois países, estas
organizações começam a ser dominantes na direita conservadora, personificada por Donald
Trump (que deveria estar na cadeia) e por Jair Bolsonaro (que merece não ser reeleito). Os seus
seguidores transformam os comícios políticos em verdadeiras celebrações religiosas, como se
estivessem imbuídos de um poder divino para cumprir uma missão na Terra. A sua influência
chegou já ao Supremo Tribunal de Justiça dos EUA, onde o orgulho religioso e o preconceito em
relação a quem pensa diferente começam a dar sinais que muitos consideravam impensáveis: em
tão pouco tempo aquele órgão conseguiu abrir caminho à livre compra de armas pessoais e, em
simultâneo, ajudar a fechar a via que permitia às mulheres interromper uma gravidez não
desejada. Nos dois casos, os argumentos subjacentes foram de ordem ética e religiosa – afetando,
de igual forma, “crentes” e “não crentes”.
as igrejas evangélicas estão cada vez mais ativas e intolerantes. Nestes dois países, estas
organizações começam a ser dominantes na direita conservadora, personificada por Donald
Trump (que deveria estar na cadeia) e por Jair Bolsonaro (que merece não ser reeleito). Os seus
seguidores transformam os comícios políticos em verdadeiras celebrações religiosas, como se
estivessem imbuídos de um poder divino para cumprir uma missão na Terra. A sua influência
chegou já ao Supremo Tribunal de Justiça dos EUA, onde o orgulho religioso e o preconceito em
relação a quem pensa diferente começam a dar sinais que muitos consideravam impensáveis: em
tão pouco tempo aquele órgão conseguiu abrir caminho à livre compra de armas pessoais e, em
simultâneo, ajudar a fechar a via que permitia às mulheres interromper uma gravidez não
desejada. Nos dois casos, os argumentos subjacentes foram de ordem ética e religiosa – afetando,
de igual forma, “crentes” e “não crentes”.
O poder crescente da religião na política é também visível em muitas outras latitudes: na
Rússia, onde a Igreja Ortodoxa tem abençoado as “guerras santas” de Putin, tanto na Síria como
na Ucrânia; na Turquia, com Erdogan a tentar demolir, aos poucos, o Estado secular fundado por
Ataturk; na Índia, com Modi a assentar a sua base de apoio numa radicalização hindu. E temos,
para vergonha nossa e da Humanidade, o regresso do Afeganistão a um poder religioso autoritário
e selvagem. E o escritor Salman Rushdie, recentemente apunhalado, continua com a cabeça a
prémio.
Rússia, onde a Igreja Ortodoxa tem abençoado as “guerras santas” de Putin, tanto na Síria como
na Ucrânia; na Turquia, com Erdogan a tentar demolir, aos poucos, o Estado secular fundado por
Ataturk; na Índia, com Modi a assentar a sua base de apoio numa radicalização hindu. E temos,
para vergonha nossa e da Humanidade, o regresso do Afeganistão a um poder religioso autoritário
e selvagem. E o escritor Salman Rushdie, recentemente apunhalado, continua com a cabeça a
prémio.
Mas convirá não esquecer que o fanatismo religioso não é exclusivo dos filhos de Alá…
Nesta matéria, também a Igreja Católica em Portugal cometeu clamorosos erros, dos quais
destaco os seguintes:
Nesta matéria, também a Igreja Católica em Portugal cometeu clamorosos erros, dos quais
destaco os seguintes:
1. As Cruzadas, expedições guerreiras dos cristãos do Ocidente à Terra Santa, na Idade
Média, com o objetivo de expulsar dela os muçulmanos, quer dizer, os “infiéis” e os “heréticos”.
Da forma mais violenta e sanguinária.
Média, com o objetivo de expulsar dela os muçulmanos, quer dizer, os “infiéis” e os “heréticos”.
Da forma mais violenta e sanguinária.
2. A Santa Inquisição, ou Tribunal do Santo Ofício que, durante séculos, expulsou, confiscou
bens, infligiu torturas, supliciou pelo fogo e condenou à morte por heresia milhares de pessoas
inocentes.
bens, infligiu torturas, supliciou pelo fogo e condenou à morte por heresia milhares de pessoas
inocentes.
3. O consentimento da Igreja Católica na escravatura em diversos espaços e em tempos
que já vão esquecidos, o que está em profunda contradição com os ensinamentos da Bíblia.
que já vão esquecidos, o que está em profunda contradição com os ensinamentos da Bíblia.
4. Alianças e cumplicidades várias que a Igreja Católica manteve com o poder das ditaduras
(Recorde-se, a propósito, a decisiva ação que o cardeal Cerejeira teve junto de Salazar). E como
esquecer a vergonhosa Concordata que o Papa Pio XI estabeleceu com o hediondo Adolf Hitler? E
que dizer desse deplorável acordo firmado entre o Ministério do Ultramar e a Nunciatura
Apostólica em Lisboa, que previa a suspensão de ordens sacras e impossibilidade de celebrar
missa aos “padres progressistas” que não calaram os horrores da Guerra Colonial?
(Recorde-se, a propósito, a decisiva ação que o cardeal Cerejeira teve junto de Salazar). E como
esquecer a vergonhosa Concordata que o Papa Pio XI estabeleceu com o hediondo Adolf Hitler? E
que dizer desse deplorável acordo firmado entre o Ministério do Ultramar e a Nunciatura
Apostólica em Lisboa, que previa a suspensão de ordens sacras e impossibilidade de celebrar
missa aos “padres progressistas” que não calaram os horrores da Guerra Colonial?
Há que reconhecer e evitar os erros do passado, até porque, nos dias de hoje, há outros
braseiros e outras formas de Inquisição que ainda não se apagaram de todo… E mais não digo, já
que o tempo é pouco e o papel está caro…
braseiros e outras formas de Inquisição que ainda não se apagaram de todo… E mais não digo, já
que o tempo é pouco e o papel está caro…