Naquele dia, dona Briolanja, nossa catequista, mostrou-nos uma litografia do inferno e ficámos assustados.
A gravura tinha por título O Poço do Inferno, e mostrava o Diabo (preto, com chifres retorcidos e pés de cabrito), que empunhava um grande garfo de três dentes barbados com que picava as almas para dentro de um enorme caldeirão, por baixo do qual estavam achas de lenha e lume acesso. As almas caídas no Inferno eram homens e mulheres, todos nus e comprimidos uns contra os outros, braços implorativos e rostos agonizantes que se esvaíam dentro do dito caldeirão…
Dona Briolanja dizia-nos que o inferno era um lugar povoado de labaredas de fogo, e onde se escutavam choros e rangido de dentes. E alertava-nos para aquelas hediondas criaturas que víamos na gravura: eram almas condenadas e malditas, porque haviam morrido em pecado mortal e sem arrependimento. E depois ela falava do Além, do Juízo Final, da Eternidade e de outros conceitos abstractos que nós, meninos e moços, obviamente não entendíamos nem percebíamos…
Mais de 50 anos depois, quero crer que, nos dias que passam, nenhum(a) catequista anda por aí a amedrontar a petizada falando do inferno, do diabo, do demo, do mafarrico ou do belzebu… Também em matéria de Teologia houve um upgrade: hoje o inferno já não é um lugar, mas um estado de alma… (Noutro contexto e no que ao fenómeno de Fátima diz respeito, a palavra aparições foi agora substituída por visões, o que em termos semânticos tem muito que se lhe diga…).
Segundo o Catecismo da Igreja Católica, existem (ainda) os pecados mortais (os graves que, a menos que sejam confessados e absolvidos, condenam a alma às profundas do Inferno) e os pecados veniais (os que não conduzem o homem/mulher à condenação perpétua).
De resto o Vaticano actualizou recentemente a lista dessas faltas. Aos tradicionais “sete pecados capitais” elencados pelo Papa Gregório I – soberba, avareza, luxúria, ira, gula, inveja e preguiça –, foram acrescentados a pedofilia, o aborto, a manipulação genética, o tráfico de droga, a riqueza desmesurada e a poluição ambiental.
Caro(a) leitor(a): se, para além destes, nunca matou, nunca roubou nem cobiçou a mulher/o homem do próximo, então o Céu (para onde vão os perfeitos e os que estão na graça de Deus) ou o Purgatório (os que estão em processo de purificação e seguros da sua salvação eterna) estão mesmo à vossa espera…
Esqueça o Inferno (“o Inferno são os outros”, escreveu Sartre), porque condenados já estamos a este infernal quotidiano, nós que nascemos prometidos e predestinados ao Paraíso.
Sic transit gloria mundi.