Durante milénios a mulher foi, e em muitos países ainda é, submetida ao poder masculino. Segundo os antropólogos, só na pré-história é que homens e mulheres viveram em harmonia. E isto porque nesse tempo não existiam povos nem estados separados, os seres humanos viviam em pequenos grupos (hordas) e tinham que se manter agregados, solidários entre si, para sobreviver e se defender dos animais ferozes e das intempéries. Quem se marginalizava morria. Logo não havia uma superioridade cultural entre homens e mulheres.
Só quando, muitos séculos depois, o ser humano se tornou sedentário, é que começou a surgir o domínio do homem sobre a mulher.
No mundo ocidental, muito por ação da moral cristã, a mulher submeteu-se, durante séculos, ao pater famílias. E só a partir dos finais do século XIX é que ela começa a reivindicar direitos e a lutar pela sua emancipação. Até aos dias de hoje. Porque apesar de ter conquistado os mesmos direitos do homem e de estar, perante a lei, em pé de igualdade com ele; não obstante ter conquistado espaços no mercado de trabalho e de participação política, a verdade é que a mulher continua, muitas vezes, a ser discriminada, preterida e explorada. O número (crescente) de casos de violência doméstica só prova que, nesta matéria, há ainda muitas batalhas a travar.
No universo açoriano, e num tempo em que o papel da mulher se confinava à procriação, às lides da casa e à educação, surgiram, no século XIX e primeiro quartel do século XX, algumas açorianas que se afirmaram pela escrita, mas, diga-se de passagem, que nenhuma delas atingiu o nível de uma Natália Correia (1923-1993). Alguns exemplos por cada uma das 9 ilhas: Madalena Férin (1929-2010), Santa Maria; Alice Moderno (1867-1946), São Miguel; Maria Francisca Bettencourt, pseudónimo de Maria do Céu (1904-1980), Terceira; Palmira Mendes Enes (1886-1968), Graciosa; Josefina Amarante (1907-2008), São Jorge; Otília Frayão (1927-2020), Faial; Josefina Canto e Castro (1907-2008), Pico; Maria Tomaz (1912 -1970), Flores; Maria Palmira dos Santos Jorge (1872-1956), Corvo.
Todas estas mulheres viveram à frente do seu tempo, transgredindo regras e normas. E isto em épocas de muitos e multifacetados conservadorismos, marcados pelo patriarcado e pelo machismo. Por isso foram mulheres irreverentes, livres e insubmissas, complexas e enigmáticas, inconformistas e inconformadas, incómodas e incomodadas, suscetíveis e insatisfeitas, sempre em busca do amor, do sonho e da felicidade. E deixaram seguidoras que têm vindo a dar muito boa conta de si na escrita: Adelaide Freitas (1949-2018), Ângela Almeida (1959- ), Avelina da Silveira (1959- ), Carolina Cordeiro (1977- ), Cisaltina Martins (1947- ), Conceição Maciel (1946- ), Fátima Maldonado (1941- ), Gabriela Silva (1953- ), Humberta de Brites Araújo (1959- ), Joana Félix (1955 – ), Judite Jorge (1965- ), Leonor Sampaio da Silva (1976- ), Luísa da Cunha Ribeiro (1960- ), Madalena San-Bento (1966- ), Maria Eduarda Rosa (1947- ), Maria de Jesus Maciel (1946- ), Maria Luís Soares (1940- ), Paula de Sousa Lima (1962- ), Sónia Bettencourt (1977- ), entre muitas outras.
Uma manifesta capacidade de explorar universos femininos não torna as narrativas destas autoras naquilo a que erradamente se poderia chamar de uma “escrita feminina”, ou “escrita no feminino”. Haverá uma escrita feminina por oposição a uma escrita masculina? Não tenho tempo nem pachorra para estéreis discussões académicas. Para mim é ponto assente que não há escritas masculinas nem escritas femininas – o que há são bons e maus escritores, bons e maus livros, boas e más escritas. No fundo o que faz a grandeza da literatura é caberem nela todas as paixões do homem e da mulher.
Para esta nova geração, a mulher, cidadã de direito, já não precisa nem quer a igualdade relativamente ao homem, mas simplesmente a paridade, fazendo enaltecer a diferença que distingue os dois sexos.
“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” – continua a ter carradas de razão o nosso poeta maior.