Longe vão os tempos em que no dia 1 de Abril os jornais pregavam uma mentira aos seus leitores, logo desmentida no dia seguinte e toda a gente achava graça. Dizia-se, então, que a mentira tinha pernas curtas…
Hoje, com a voragem das redes sociais, esse e outros ditados populares deixaram de ser ajustados à realidade. A Internet tem-se revelado um terreno minado onde crescem, sem controlo, inúmeras falsidades. As eleições presidenciais dos Estados Unidos da América e sobretudo do Brasil sublinharam a importância de se compreender (e combater) o fenómeno das chamadas fake news.
Mas deixemo-nos de anglicismos – falemos, sim, de notícias falsas – escarrapachadas no WhatsApp, no Facebook, no Twitter e no YouTube. E notícias falsas serão sempre uma ofensiva deliberada contra o jornalismo de qualidade.
É óbvio que sempre houve propagação de notícias falsas e contra-informação. Por vezes até de uma forma bem sucedida. Basta pensar nas famosas e inexistentes armas de destruição maciça para justificar o ataque dos EUA ao Iraque – a maior mentira à escala global.
A diferença é que, hoje, com a revolução digital, fabricar notícias falsas para grandes audiências nunca foi tão fácil. Cada vez mais a informação é produzida, consumida e distribuída em ambientes digitais online, utilizando preferencialmente as redes sociais. A tecnologia tornou a manipulação de vídeos, textos e imagens acessíveis a qualquer um. A informação está cada vez mais disponível em tempo real através do smartphone. É neste pequeno ecrã que muita gente vive, sobretudo os mais jovens. A visão que têm sobre o mundo está na palma da mão, em qualquer altura e em qualquer lugar. É aí que vivem as paixões e as emoções que o bombardeamento de textos e imagens lhes provoca.
Resultado: é um tal fartar vilanagem com tanta opinião, tanto site, tanto blogue, tanta wikipédia, tanto Youtuber (lixo tóxico!), tanta desinformação. Qualquer cidadão é um potencial jornalista desconhecendo a observação das fontes e recusando-se a cruzar informações, para já não falar do contraditório. E é tudo massivamente partilhado como se de verdades e realidades absolutas se tratassem. E sem qualquer mecanismo eficiente de regulação. As redes sociais funcionam com leis próprias e de forma supranacional e os Estados continuam com algum pudor em regulamentá-las.
Há muito dinheiro envolvido nas plataformas online. Hoje, gigantescas empresas transnacionais assumiram um papel de relevo no ecossistema informático. Recorde-se o escândalo Cambridge Analytica, em que dados de milhões de utilizadores foram disponibilizados a uma empresa, com os alarmantes resultados que se conhecem…
As novas tecnologias originaram um desinvestimento generalizado no bom jornalismo. O resultado está à vista: muitos jornais de referência vão desaparecendo; outros perderam impacto de circulação em papel e transferiram muitos dos seus conteúdos para a internet. Para poder sobreviver, os média, em geral, e a imprensa tradicional, em particular, têm que mostrar e demonstrar o que é serviço público; têm que se adaptar às condições de mercado e reinventar-se para combater as notícias sensacionalistas e bombásticas.
Não tenhamos dúvidas: a inexistência de informação credível e mediada constitui uma ameaça aos sistemas democráticos. A desinformação, a má informação e a informação errada criam a verdade da mentira e estão a minar as democracias ocidentais e a criar regimes totalitários. No terreno já temos Trump e Bolsonaro, outros espreitam a vez…
Como evitar a falta de rigor e de verdade que caracteriza as fake news, fenómeno global? Como combater a vertiginosa onda de desinformação, e separar o trigo do joio? A forma mais eficaz de o fazer só poderá ser através da educação e da literacia mediática.
E pensar que o início deste milénio utopicamente antecipava uma sociedade contemporânea em rede, desmaterializada e ubíqua, participativa e democrática… Assistimos hoje, à luz da produção e difusão de informação falsa, a um processo radicalmente contrário.
Por isso já não me restam ilusões: vamos continuar a ter o primeiro de abril todos os dias.