No próximo dia 2 de setembro fará 49 anos que, a bordo do seu veleiro “Askoy II”, o cantor
Jacques Brel (1929-1978), então com 45 anos de idade, retirado dos palcos e cansado do mundo,
aportou à cidade da Horta.
Procedidos das ilhas britânicas Scilly, após 11 dias de venturosa e fascinada viagem, o belga
chegou à ilha do Faial acompanhado da sua filha France e da sua companheira Maddly. Objetivo,
que não viria a ser cumprido: fazer a volta ao mundo durante três anos.
chegou à ilha do Faial acompanhado da sua filha France e da sua companheira Maddly. Objetivo,
que não viria a ser cumprido: fazer a volta ao mundo durante três anos.
Apaixonado, agressivo e generoso, Brel era então um cantor consagrado e um homem de
intolerável lucidez. Detentor de fama e riqueza, o mundo inteiro rendia-se ao seu inegável talento de
grande cantor, excelente poeta e razoável ator e realizador de cinema. As suas canções corriam os
cinco continentes e falavam ao coração das pessoas, ele que cantou o amor, a amizade, a liberdade,
a ternura, o afeto, o rancor, a esperança, a raiva, o medo, a culpa, a ironia, o silêncio, a solidão… A
sua crítica social mordaz deixa marcas e causa espantos: denuncia a hipocrisia dos burgueses, tira a
máscara dos devotos, das beatas e dos militares, desmistifica falsas grandezas.
intolerável lucidez. Detentor de fama e riqueza, o mundo inteiro rendia-se ao seu inegável talento de
grande cantor, excelente poeta e razoável ator e realizador de cinema. As suas canções corriam os
cinco continentes e falavam ao coração das pessoas, ele que cantou o amor, a amizade, a liberdade,
a ternura, o afeto, o rancor, a esperança, a raiva, o medo, a culpa, a ironia, o silêncio, a solidão… A
sua crítica social mordaz deixa marcas e causa espantos: denuncia a hipocrisia dos burgueses, tira a
máscara dos devotos, das beatas e dos militares, desmistifica falsas grandezas.
Jaques Brel chega à Horta ligeiramente engripado. Os primeiros sintomas da doença que o
vitimará começam a fazer-se sentir. O dr. Decq Mota, homem de ascendência belga, médico de
prestígio e figura incontornável do meio faialense, é chamado a intervir. Dava-se assim início a uma
bela amizade (d)escrita no livro Como um marinheiro eu partirei, uma viagem com Jaques Brel
(Elsinore, 2023), da autoria de Nuno Costa Santos, escritor açoriano nascido em Lisboa, ele que já
havia escrito a peça “Brel nos Açores”, interpretada pelo ator Dinarte Branco e levada à cena, no
ano de 2010, no Teatro Micaelense, no Teatro de São Luís e no Teatro Faialense.
vitimará começam a fazer-se sentir. O dr. Decq Mota, homem de ascendência belga, médico de
prestígio e figura incontornável do meio faialense, é chamado a intervir. Dava-se assim início a uma
bela amizade (d)escrita no livro Como um marinheiro eu partirei, uma viagem com Jaques Brel
(Elsinore, 2023), da autoria de Nuno Costa Santos, escritor açoriano nascido em Lisboa, ele que já
havia escrito a peça “Brel nos Açores”, interpretada pelo ator Dinarte Branco e levada à cena, no
ano de 2010, no Teatro Micaelense, no Teatro de São Luís e no Teatro Faialense.
Mistura de ficção com biografia e reportagem, o livro é, precisamente, a história da
celebração da vida e da amizade: a amizade que uniu Brel a George Pasquier (Jojo), seu melhor
amigo, e ao dr. Decq Mota. Mas também a amizade de Nuno Costa Santos por Sérgio Luís Paixão,
dedicado breliano, sobre quem o autor traça um retrato humaníssimo, que li com emoção e
comoção…
celebração da vida e da amizade: a amizade que uniu Brel a George Pasquier (Jojo), seu melhor
amigo, e ao dr. Decq Mota. Mas também a amizade de Nuno Costa Santos por Sérgio Luís Paixão,
dedicado breliano, sobre quem o autor traça um retrato humaníssimo, que li com emoção e
comoção…
Estamos perante uma muito conseguida homenagem a Brel, ao seu génio e à sua música,
num hábil e estimulante diálogo com as suas letras, melhor dizendo, com a sua arte poética.
Falando de Brel, Nuno Costa Santos fala também de si próprio, dos seus familiares e
amigos, indagando sobre a sua identidade e o seu destino no palco do mundo. Tal como Brel,
também Nuno quis fugir ao bulício da grande cidade para encontrar, numa ilha (a Terceira), formas
de criação, de apaziguamento, de felicidade possível.
num hábil e estimulante diálogo com as suas letras, melhor dizendo, com a sua arte poética.
Falando de Brel, Nuno Costa Santos fala também de si próprio, dos seus familiares e
amigos, indagando sobre a sua identidade e o seu destino no palco do mundo. Tal como Brel,
também Nuno quis fugir ao bulício da grande cidade para encontrar, numa ilha (a Terceira), formas
de criação, de apaziguamento, de felicidade possível.
Escrito com fluidez narrativa, grande espessura evocativa e uma muita atenta observação do
humano, Como um marinheiro eu partirei, uma viagem com Jacques Brel revisita aspetos da vida
e da carreira de Brel, por um lado, e, por outro, regista a sua passagem pela Horta, reconstituindo os
seus passos no Faial de 1974: os recantos da ilha que visitou (tendo o dr. Decq Mota como
cicerone), as pessoas que conheceu, as amizades que fez. A inesperada notícia da morte de Jojo, fê-
lo interromper a estada na “ilha azul”, viajando para França, de onde regressará dias depois (à
boleia) no avião particular de um suíço.
humano, Como um marinheiro eu partirei, uma viagem com Jacques Brel revisita aspetos da vida
e da carreira de Brel, por um lado, e, por outro, regista a sua passagem pela Horta, reconstituindo os
seus passos no Faial de 1974: os recantos da ilha que visitou (tendo o dr. Decq Mota como
cicerone), as pessoas que conheceu, as amizades que fez. A inesperada notícia da morte de Jojo, fê-
lo interromper a estada na “ilha azul”, viajando para França, de onde regressará dias depois (à
boleia) no avião particular de um suíço.
No dia 12 de setembro do referido ano, Brel, após ter assinado o livro de honra do Peter
Café Sport, ali cantou, a pedido do seu proprietário José Azevedo, para um grupo de marinheiros,
naquela que terá sido uma das suas últimas atuações… Na Horta permanecerá até ao dia 19 de
setembro, dia em que, largando amarras, zarpou com rumo à ilha da Madeira. Durante a viagem
escreve um dos seus últimos poemas, “La cathédrale”, em que três versos evocam os cachalotes dos
Açores.
Café Sport, ali cantou, a pedido do seu proprietário José Azevedo, para um grupo de marinheiros,
naquela que terá sido uma das suas últimas atuações… Na Horta permanecerá até ao dia 19 de
setembro, dia em que, largando amarras, zarpou com rumo à ilha da Madeira. Durante a viagem
escreve um dos seus últimos poemas, “La cathédrale”, em que três versos evocam os cachalotes dos
Açores.
O cantor surpreenderá tudo e todos com o seu último trabalho discográfico, em que canta o
desespero amoroso e o desencanto da sua morte anunciada. Tal como o pintor Paul Gaugin, viverá
os últimos anos da sua vida nas ilhas Marquesas. Com Maddly sempre por perto, luta, com a
coragem dos fortes, contra o cancro que, dia a dia, o vai corroendo. Ensaia o seu “Tango fúnebre” e
a “La valse à mille temps” da sua bulimia de viver. Diz que nunca foi artista, mas artesão de
palavras. E escreve: “Que ninguém fale de mim depois da minha morte”. Obviamente ninguém
respeitou tal pedido. No dia 9 de outubro de 1978, com 49 anos de idade, Brel, o génio trovador,
fechava os olhos para sempre.
desespero amoroso e o desencanto da sua morte anunciada. Tal como o pintor Paul Gaugin, viverá
os últimos anos da sua vida nas ilhas Marquesas. Com Maddly sempre por perto, luta, com a
coragem dos fortes, contra o cancro que, dia a dia, o vai corroendo. Ensaia o seu “Tango fúnebre” e
a “La valse à mille temps” da sua bulimia de viver. Diz que nunca foi artista, mas artesão de
palavras. E escreve: “Que ninguém fale de mim depois da minha morte”. Obviamente ninguém
respeitou tal pedido. No dia 9 de outubro de 1978, com 49 anos de idade, Brel, o génio trovador,
fechava os olhos para sempre.
Meio século depois, os versos deste belga tornaram o mundo infinitamente mais belo. Por
isso, este poeta do amor universal continua vivo. Vê-lo-emos sempre a cantar, a comer, a dançar e a
beber em todos os portos do mundo.
isso, este poeta do amor universal continua vivo. Vê-lo-emos sempre a cantar, a comer, a dançar e a
beber em todos os portos do mundo.
Este livro de Nuno Costa Santos ajuda-nos a compreender isso mesmo.
Horta, 30 de abril de 2023