O capitão-mor Francisco Ornelas da Câmara (1606-1664) foi um dos fidalgos que teve papel ativo no acto de aclamação de D. João IV em Lisboa. E foi tão particular o zelo que mostrou que El-rei lhe deu o encargo de reduzir à obediência o Castelo de Angra, hoje Fortaleza de São João Baptista, situada no istmo que liga o Monte Brasil à ilha e composta de uma frente principal voltada a terra, e duas linhas de fortificação marítima: uma defendendo a baía de Angra, e a outra a baía do Fanal.
Francisco Ornelas deixa então a corte e viaja para a ilha Terceira, onde virá a destacar-se como líder da campanha militar que conduziu à submissão das forças espanholas acantonadas na referida fortaleza, após prolongado cerco (11 meses) que os terceirenses a ela moveram.
Governava então o Castelo o fidalgo castelhano D. Álvaro Viveiros, homem ríspido e muito autoritário. A resistência deste oficial ao referido cerco é uma das páginas épicas da história militar de Castela. Francisco Ornelas não afrouxou a luta contra a força estrangeira. A guarnição sitiada e apertada pela fome chegou a comer ratos… Os terceirenses empregaram todos os meios bélicos para aniquilar D. Álvaro, e este, após sucessivas e nem sempre bem sucedidas negociações, acabou por se render em extremo, numa altura em que a doença e as mortes na fortaleza se sucediam a um ritmo alucinante.
Ultimada a expulsão dos espanhóis, Francisco Ornelas conheceria a desdita dos heróis: a inveja. Vítima de intrigas, é acusado de desleal à Pátria e de vendido a Castela. Como se isto não bastasse, a magistratura de Angra “houve-se tristemente”. O acusado, incriminado de traição, é condenado à morte. O capitão-mor apela para os tribunais da corte. Em Lisboa é encarcerado no Limoeiro. Abandonado pelos homens, e devoto do Espírito Santo, invocou a intercessão divina, prometendo, se reconhecida fosse a sua inocência, dar todos os anos esmolas aos pobres.
O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu a sentença condenatória com fundamentos expressos no processo. Reza a lenda que os juízes quando se preparavam para assinar a sentença, entrou voando por uma das janelas da sala uma pomba branca que entornou o tinteiro sobre o processo, inutilizando-o. Dias depois foi lavrada nova sentença, baseada ainda no processo, mas Francisco Ornelas seria absolvido.
Regressado à Terceira, e para comemorar aquilo que ele tomara por milagre, todos os anos e até ao fim da sua vida cumpriu integral e escrupulosamente a promessa que havia feito no cárcere de Lisboa: “1º dar anualmente um grande bodo, seis moios de trigo e seis bois, aos pobres em que ele, descalço, os havia de servir; 2º edificar em honra do Espírito Santo, na rua dos Quatro Cantos da cidade de Angra, uma ermida que afrontasse os tempos futuros. 3º trazer pintado nas suas armas o emblema do Espírito Santo”. (Cf. Ferreira Deusdado, Quadros Açóricos, Angra do Heroísmo, 1907).
Durante largos anos Francisco Ornelas foi governador do Castelo. Falecido em Angra, este herói açoriano da Restauração foi sepultado na vila da Praia, levando como mortalha a bandeira do Divino.