Baixo, franzino e feio, Tony de Matos (1924-1989) cantava, de forma pungente, o ciúme, o desencanto, a traição, o abandono, a paixão, a saudade, o desgosto amoroso… Havia nele uma arte de dizer e estilar sui generis. Por isso, mais do que um fadista ou cançonetista, ele foi um intérprete dos afectos partilhados e dos sentimentos mais vulneráveis.
Senhor de uma voz enfática e potente, num registo inconfundível e inimitável, ele punha raiva e ternura no que cantava, arrastando as palavras até ao limite do tempo, fraseando cada pedaço da canção como se fosse o último. O seu rosto, impassível, assumia sempre uma expressão dolorida… Era impressionante o seu virtuosismo vocal e o espantoso controlo da sua respiração. Exaltantes eram os seus crescendos, e ele tinha uma forma muito característica de rasgar as guturais: “E sei que ninguém mais rrrirá de mim”, ouvimos em “Vendaval”.
Outras canções como “Cartas de amor”, “Só nós dois”, “Lugar vazio”, “Procuro e não te encontro”, “Lado a lado” e “Romântico” (seu último grande sucesso) deram-lhe notoriedade e popularidade dentro e fora de Portugal.
Menos bons foram os filmes em que participou: “A canção da saudade” (1964), “Rapazes de táxi” (1965), “Bonança &Companhia” (1969), “O destino marca a hora” (1970) e “Derrapagem” (1974). Foi na apresentação, na ilha Terceira, de “Rapazes de táxi” que lhe cacei um autógrafo, era eu uma criança que cantava imitando o espanhol Joselito…
Tony de Matos actuou em 4 continentes, viveu durante alguns anos no Brasil onde conheceu estrondoso sucesso, e participou, como primeira figura (na altura dizia-se “vedeta”), em várias peças de teatro de revista.
Tudo viria a mudar com a Revolução do 25 de Abril de 1974 que desencadeou um sentimento generalizado de hostilidade ao fado e ao “nacional cançonetismo” (termo criado pelo jornalista João Paulo Guerra) por parte da elite dirigente do novo regime democrático, forjada numa tradição anti-fascista que se habituara a considerar aqueles géneros como um mero instrumento de manipulação ideológica por parte do Estado Novo. Amália Rodrigues, Tony de Matos, António Calvário, Madalena Iglésias, Simone de Oliveira, Artur Garcia, entre muitos outros, foram vítimas preferenciais dessa hostilidade e deixaram de ser contratados para espetáculos.
Tony de Matos iniciou então uma digressão pelos Estados Unidos da América, onde permaneceu durante oito anos, envolvendo-se particularmente com as nossas comunidades emigrantes, sendo que a sua última companheira foi precisamente uma açoriana da ilha do Faial.
O seu regresso a Portugal coincidiu com novas experiências no teatro de revista, revelando-se uma das principais atrações em algumas peças.
Em 1985 o cantor Vitorino convidou-o a participar num concerto realizado no Coliseu dos Recreios, de que resultou numa plateia rendida ao seu talento. Estava relançada a sua carreira, para o que muito contribuiu dois grandes espetáculos realizados, nos dois anos seguintes, naquela casa de espetáculos, bem como o enorme sucesso entretanto alcançado com a canção “Romântico”.
Romântico e carismático foi ele toda a vida. Deixou-nos um impressionante legado discográfico e continua a ser um nome incontornável da música portuguesa. De todos os tempos.