Dei comigo hoje a pensar numa fábula de La Fontaine, inserta no meu Livro de Leitura da 4ª classe, e que assim rezava:
Uma coruja encontrou uma águia e disse-lhe: Ó águia, se vires uns passarinhos muito lindos, num ninho, com uns biquinhos muito bem feitos, olha lá, não os comas que são os meus filhos.
A águia prometeu que não os comia; foi voando e encontrou numa árvore um ninho de coruja e fez das corujinhas um belo manjar. Quando a coruja chegou e viu que lhe tinham comido os filhotes, foi ter com a águia, muito aflita: Ó águia, sua falsa, prometeste-me que não comias os meus filhinhos, e mataste-mos todos.
Respondeu a águia: Eu encontrei umas corujas pequenas, num ninho, todas depenadas, sem bico e comi-as; e como tu me disseste que os teus filhos eram lindos e tinham uns biquinhos bem feitos, entendi que não eram esses.
-Pois eram esses mesmos – disse a coruja.
-Pois então queixa-te de ti – tornou-lhe a águia – que me enganaste com a tua cegueira.
Moral da história: o exagero do coração pode dar mau resultado, já que foi a vaidade que fez a coruja perder irremediavelmente os seus filhos. Aliás, há uma tendência, muito humana, de pôr aquilo que é seu acima do que é dos outros. O que é nosso é que é o melhor, o mais bonito, o mais fino, o mais belo…
Vem isto a propósito desse parolo regozijo dos que afirmam: o que é português é que é bom! Num país onde falta a planificação, reina o improviso e todos são franco-atiradores é, no mínimo, ridículo essa ambição desmedida de que somos os melhores e os maiores e um exemplo para a Europa e para o Mundo…
Poderíamos lá chegar, mas, infelizmente, somos o país da lamúria… Em Portugal ninguém é aquilo que aparenta. A culpa é sempre do governo e do sistema, nunca é nossa. Nem sempre queremos estar do lado da solução, mas do problema. Temos pouca capacidade de agregação, preferimos contestar em vez de construir. Ao pensamento crítico preferimos a mera opinião, ao debate sério de ideias enveredamos pela pirotecnia mediática… Verdadeira informação? Nem pensar. O que está a dar são as muitas e desvairadas feiras de vaidades, as coscuvilhices de “reality shows”, as estrepitosas razões de comentadores desportivos…
Mas queixamo-nos ainda e sempre. Consensos e plataformas de entendimento não é connosco. Não temos capacidade tecnológica. Falta-nos, a todos os níveis, know how e savoir faire. Descuramos o método, o critério, a disciplina, a organização, a pontualidade… Mais reprodutivos do que produtivos, somos verdadeiros camaleões: mudamos de cor conforme as conveniências. E como se isto não bastasse, grande parte da nossa juventude anda amolecida e apaparicada, o que não augura nada de bom em termos de futuro.
Só somos razoavelmente bons é no desenrascanço, palavra inexistente noutras línguas… Desenrascados sim, mas muito pouco empreendedores.
Bazófia é o que o português tem para dar e vender. Por exemplo: não fomos campeões europeus de futebol, mas já se apregoa por aí que o primeiro lugar no próximo mundial está no papo… É sempre do 8 para o 80…
E, tal como a fábula da coruja, no fim as coisas podem correr mal… Não fosse a vaidade má conselheira.