No princípio era a imensidão dos horizontes e o mar. E o mar cresceu em vagalhões. E o vento soprou tempestuoso. E o céu se desgrenhou de chumbo. Explodiu o vulcão. O magma solidificou-se. E as ilhas ficaram horizontalmente aquietadas. Depois vieram gentes. Cumpriu-se o povoamento. E no rochedo fomos gerados. E cá ficámos. Cá estamos. Encharcados de nevoeiro e humidade. A olhar a linha do horizonte que se avista e que nos desafia a sair da ilha ficando nela.
No fundo do mar talvez esteja a civilização morta da Atlântida. Talvez o mito. Talvez a fábula. Talvez o lugar deslumbrante da lendária Antília, a ilha misteriosa. Ali, talvez ainda exista a serpente que devorava navios. Ali devem ainda estar refugiados os sete bispos fugidos à invasão muçulmana de Tárique e Musa. Ali viverá ainda a princesa encantada escondida no fundo das águas, emergindo nas noites túmidas de luar para tomar posse do seu reino, as Sete Cidades!
Ah, o mistério insondável do mar! Ali se despedaçaram as primeiras naus que partiram em viagens de exploração. Ah, quantos esqueletos de barcos afundados, quanto ouro naufragado nas profundidades adormecidas do oceano! Quantas âncoras de búzios e corais! Quantos palácios de algas e sargaços! E quanto destroços flutuando no vaivém das ondas!
Foi o mar que nos criou. Esse imenso mar, que nos une e separa, foi sempre o nosso espaço de liberdade, estrada para o mundo e nossa universalidade. Ele é fonte de rendimento, diversão, estudo científico, lugar (inspirador) de poesia… E sonho da partida. Porque o mar será sempre a promessa de viagens mil vezes retomadas.
Para trás, a ilha, essa extensão de verde com medonhos abismos sobre o mar. Na distância há sempre um barco e um sonho de partida. O vento a galopar à rédea solta. E o mar, encapelado, a espatifar-se contra as rochas. Em 7 notas musicais e em constelações que são o sete-estrelo. E tudo em 7 dias e em 7 cores que o prisma refrata. E 7 são os arcanjos. 7 as chacras. 7 os sacramentos. 7 as virtudes. 7 as verdades e 7 as maravilhas do mundo.
As baleias passeiam-se livremente pelo mar dos Açores. Os pássaros, em voos largos e circulares, sabem todas as rotas, conhecem todos os portos. Os marinheiros, cabelos desalinhados de vento, largam amarras e navegam enluarados de solidão. As quilhas dos barcos sulcam o mar, deixando atrás de si angras e carreiros de espuma. No ar, paira um profundo odor a maresia.
A montanha cobriu-se de uma luz delicada e violeta, o céu está forrado de nuvens e a paisagem, molhada e verde, perturba e fascina.
Olhamos à nossa volta e vemos metade céu, metade mar. Só sabemos viver na sua companhia. Esse mar que, constantemente, bate no costado deste navio que é a nossa vida. Por isso os nossos sonhos são molhados. Por isso a nossa memória é de água.
Olhamos à nossa volta e vemos metade céu, metade mar. Só sabemos viver na sua companhia. Esse mar que, constantemente, bate no costado deste navio que é a nossa vida. Por isso os nossos sonhos são molhados. Por isso a nossa memória é de água.