Desde que foi construída, em 1998, a Escola Básica e Secundária Mouzinho da Silveira, a única da ilha do Corvo, nunca teve um refeitório escolar e nunca forneceu refeições aos alunos.
Este ano, depois da denúncia feita por Paulo Estevão, deputado do PPM na Assembleia Legislativa açoriana, que chegou a fazer greve de fome para alertar para a questão, foram tomadas providências para que se encontrasse uma solução.
O parlamentar eleito pela ilha do Corvo garante que "as refeições escolares são servidas mesmo em freguesias, ou mesmo em escolas que tenham dez ou doze alunos em freguesias relativamente distantes, ou seja, há mesmo uma única exceção na Região Autónoma dos Açores, e talvez no país. A única escola em que não são servidas refeições é na ilha do Corvo".
Para os 45 alunos da escola, a ausência de refeitório implica, muitas vezes, saírem do recinto escolar para poderem almoçar.
Jorgina Pimentel tem uma filha de 12 anos, Nicole Rocha, a frequentar o 6º ano de escolaridade na escola do Corvo. Para a família, o pior é no inverno, quando, "em dias de chuva, chegam a casa todos molhados. Saem de casa, chegam à escola todos alagados…".
Jorgina está desempregada e, por isso, pode receber a filha em casa, à hora de almoço. Em anos anteriores, quando trabalhava por turnos na Santa Casa da Misericórdia, era o marido, que trabalha à noite, quem tratava do almoço de Nicole.
O mesmo não acontece com a empresária Sónia Pedras e o seu filho de 13 anos, Igor Pedras, que frequenta o 9º ano.
A mãe sente falta das refeições escolares, porque o seu horário de trabalho, "muitas vezes, não coincide com o horário dele na hora de almoço e ele come sozinho a maior parte das vezes. Se a comida lhe agrada, ele come a comida, se a comida não lhe agrada, ele come aquilo que ele quiser. Se ele comesse ali na escola, pelo menos, eu sabia que ele fazia uma refeição como deve ser".
À Lusa, o secretário regional da Educação e Cultura, Avelino Meneses, explicou que "o Governo Regional tem procurado, e tem, inclusivamente, encontrado soluções para minorar ou para ultrapassar a inexistência de refeições na escola do Corvo".
Exemplo disso é a atribuição de uma compensação financeira individual que pode variar diariamente entre os 48 cêntimos e os 2,39 euros e mensalmente entre os dez e os 50 euros, "uma solução a que aderiram cerca de um terço (dos alunos). Diria que aderiram, fundamentalmente, aqueles que são mais carenciados", explica o governante.
À semelhança de Jorgina Pimentel, Sónia Pedras confessa que também não aderiu à compensação financeira, por a considerar insuficiente, explicando que "cêntimos, no Corvo, não dá para as refeições completas que as crianças fora daqui fazem".
Foi também celebrado um protocolo entre o Governo Regional e a Santa Casa da Misericórdia do Corvo que "prevê o fornecimento pela Santa Casa de refeições aos alunos da escola Mouzinho da Silveira", uma medida que aguarda a conclusão das obras do refeitório da instituição, que deverão estar terminadas "dentro de cerca de um mês", adiantou o secretário.
O ex-reitor da Universidade dos Açores esclareceu que os restantes procedimentos "já não são postos em marcha pelo governo, são postos em marcha pelas instituições em presença: pela escola, na fruição da autonomia que, efetivamente, a legislação lhe confere, e pela Santa Casa da Misericórdia".
A presidente do conselho executivo da escola, Susana Silva, explica que, para o fornecimento de refeições, "uma vez que já se fizeram dois procedimentos concursais sem resposta, a escola auscultou a provedoria da Santa Casa em relação aos preços que poderia praticar. Chegámos a um acordo em relação aos preços dentro dos limites legais nesta situação e vamos, neste momento, avançar com um procedimento por ajuste direto com convite a uma só entidade".
No entanto, a opção do fornecimento de refeições na Santa Casa da Misericórdia continua a implicar a deslocação dos alunos, pelo que também esta solução desagrada a alguns pais.
"Fora daqui, as refeições são no recinto da escola", diz Sónia Pedras. "Eu não estou contra que as refeições sejam feitas na Santa Casa. Estou contra é as crianças saírem para a rua e irem para a Santa Casa tomarem as suas refeições. Se acontecer um acidente, quem é o responsável?"
Este é um ponto essencial para Sónia Pedras, que admite que, no Corvo, é tudo perto, "mas a questão não é só o caminho que fazem para casa: é as refeições e é o direito. Nós não estamos a pedir mais do que as outras ilhas têm. Se as outras ilhas têm, nós também estamos a pedir para os nossos. Não é mais, nem menos".
Para a mãe de Igor, a solução seria simples: "Façam uma sala para dar as refeições, ao menos. Ninguém está a pedir um refeitório. Se têm maneira de dar a comida, sim senhora, vão entregar a comida lá (na escola)".
Questionada sobre se seria acautelada a segurança das crianças quando saíssem do recinto escolar para se dirigirem à Santa Casa, Susana Silva diz que "é uma situação a ser acautelada" e, sem adiantar como, ressalvou que estão "ainda a providenciar" a solução.