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Este conteúdo fez parte do "Blogue Comunidades", que se encontra descontinuado. A publicação é da responsabilidade dos seus autores.
Imagem de Romanceiro da Inconfidência**
Cecília Meireles (1901-1964)
Comunidades 10 mai, 2012, 15:44

Romanceiro da Inconfidência** Cecília Meireles (1901-1964)


     (capa da 1ª edição,1953)

O Romanceiro da Inconfidência
representa um livro único na história na literatura brasileira. Nenhum outro poeta se debruçou sobre um episódio histórico e produziu resultado tão ambicioso. Não se trata de escrever um ou outro bom poema sob a inspiração de um grande tema. Cecília escreveu um volume contendo 85 romances ― gênero poético de origem medieval, assim como as narrativas de cordel ―, mais 11 cenários e falas introdutórias aos sete blocos de poemas em que a obra se organiza. E página após página, o nível do trabalho nunca resvala para a mediocridade, o que seria até aceitável, dada a extensão da empreitada.
O Romanceiro foi publicado em 1953. Não resta a menor dúvida de que ela estudou os autos de devassa da Inconfidência para inteirar-se das acusações oficiais, das delações e, por fim, das condenações dos conspiradores. Também pesquisou usos e costumes da época, inteirou-se de histórias e personagens não diretamente associados à conspiração, mas que caracterizam o modo de vida no final dos 1700 em Minas Gerais.
É assim que surgem os romances sobre o contratador João Fernandes e sua mulher, a negra Chica da Silva ― “a Chica-que-manda”. Há também vários personagens inventados ou recriados com base em relatos de época. É o caso de grupos de pessoas, como os tropeiros do "Romance XXX", o cigano do "Romance XXXIII", ou o filosófico “bêbedo descrente” do "Romance LXII". São pessoas que aparecem para fazer um comentário, indicar o que se pensava na época ou mesmo mostrar um pouco dos costumes vigentes. Nesse último caso está o "Romance da Donzela Assassinada". É a terrível história de um pai que mata a filha por entender que ela acenara o lenço para um passante, flertando com ele.

O “Romance XXI ou das Ideias” é primoroso. Sem nunca perder o sentido musical, que é uma das marcas de sua poesia, a autora nesse romance traça um retrato completo de Minas: “As lavras inchadas de outro. / Os diamantes entre as pedras / Negros, índios e mulatos / Almocafres e gamelas.”
Esse romance, por si só, constitui uma obra-prima. Ele é organizado como um simples rol de coisas, pessoas e situações, muitas vezes declinadas numa única palavra: “Candombeiros. Feiticeiros. / Ungüentos. Emplastos. Ervas. / Senzalas. Tronco. Chibata. / Congos. Angolas. Benguelas. / Ó imenso tumulto humano! / E as ideias.”
Cada um dos blocos que descrevem um ambiente termina o verso curto “E as ideias”. São as ideias da Revolução Americana, da Revolução Francesa, os anseios de independência.

CARLOS MACHADO
In:Poesia.net
www.algumapoesia.com.br

ROMANCE XXI
ou
DAS IDÉIAS

A vastidão desses campos.
A alta muralha das serras.
As lavras inchadas de ouro.
Os diamantes entre as pedras.
Negros, índios e mulatos.
Almocafres e gamelas.

Os rios todos virados.
Toda revirada, a terra.
Capitães, governadores,
padres intendentes, poetas.
Carros, liteiras douradas,
cavalos de crina aberta.
A água a transbordar das fontes.
Altares cheios de velas.
Cavalhadas. Luminárias.
Sinos, procissões, promessas.
Anjos e santos nascendo
em mãos de gangrena e lepra.
Finas músicas broslando
as alfaias das capelas.
Todos os sonhos barrocos
deslizando pelas pedras.
Pátios de seixos. Escadas.
Boticas. Pontes. Conversas.
Gente que chega e que passa.
E as idéias.

Amplas casas. Longos muros.
Vida de sombras inquietas.
Pelos cantos da alcovas,
histerias de donzelas.
Lamparinas, oratórios,
bálsamos, pílulas, rezas.
Orgulhosos sobrenomes.
Intrincada parentela.
No batuque das mulatas,
a prosápia degenera:
pelas portas dos fidalgos,
na lã das noites secretas,
meninos recém-nascidos
como mendigos esperam.
Bastardias. Desavenças.
Emboscadas pela treva.
Sesmarias, salteadores.
Emaranhadas invejas.
O clero. A nobreza. O povo.
E as idéias.

E as mobílias de cabiúna.
E as cortinas amarelas.
Dom José. Dona Maria.
Fogos. Mascaradas. Festas.
Nascimentos. Batizados.
Palavras que se interpretam
nos discursos, nas saúdes…
Visitas. Sermões de exéquias.
Os estudantes que partem.
Os doutores que regressam.
(Em redor das grandes luzes,
há sempre sombras perversas.
Sinistros corvos espreitam
pelas douradas janelas.)
E há mocidade! E há prestígio.
E as idéias.

As esposas preguiçosas
na rede embalando as sestas.
Negras de peitos robustos
que os claros meninos cevam.
Arapongas, papagaios,
passarinhos da floresta.
Essa lassidão do tempo
entre imbaúbas, quaresmas,
cana, milho, bananeiras
e a brisa que o riacho encrespa.
Os rumores familiares
que a lenta vida atravessam:
elefantíase; partos;
sarna; torceduras; quedas;
sezões; picadas de cobras;
sarampos e erisipelas…
Candombeiros. Feiticeiros.
Ungüentos. Emplastos. Ervas.
Senzalas. Tronco. Chibata.
Congos. Angolas. Benguelas.
Ó imenso tumulto humano!
E as idéias.

Banquetes. Gamão. Notícias.
Livros. Gazetas. Querelas.
Alvarás. Decretos. Cartas.
A Europa a ferver em guerras.
Portugal todo de luto:
triste Rainha o governa!
Ouro! Ouro! Pedem mais ouro!
E sugestões indiscretas:
Tão longe o trono se encontra!
Quem no Brasil o tivera!
Ah, se Dom José II
põe a coroa na testa!
Uns poucos de americanos,
por umas praias desertas,
já libertaram seu povo
da prepotente Inglaterra!
Washington. Jefferson. Franklin.
(Palpita a noite, repleta
de fantasmas, de presságios…)
E as idéias.

Doces invenções da Arcádia!
Delicada primavera:
pastoras, sonetos, liras,
— entre as ameaças austeras
de mais impostos e taxas
que uns protelam e outros negam.
Casamentos impossíveis.
Calúnias. Sátiras. Essa
paixão da mediocridade
que na sombra se exaspera.
E os versos de asas douradas,
que amor trazem e amor levam…
Anarda. Nise. Marília…
As verdades e as quimeras.
Outras leis, outras pessoas.
Novo mundo que começa.
Nova raça. Outro destino.
Planos de melhores eras.
E os inimigos atentos,
que, de olhos sinistros, velam.
E os aleives. E as denúncias.
E as idéias.

Romanceiro da Inconfidência**
Cecília Meireles (1901-1964)

“A mais importante das reuniões dos conjurados
“,Pedro Américo (1843-1905).
Óleo sobre tela, 40 × 58 cm. 
       -**-

ROMANCE LIII
ou
DAS PALAVRAS AÉREAS

Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência, a vossa!
ai, palavras, ai, palavras,
sois de vento, ides no vento,
no vento que não retorna,
e, em tão rápida existência,
tudo se forma e transforma!
Sois de vento, ides no vento,
e quedais, com sorte nova!

Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência, a vossa!
todo o sentido da vida
principia à vossa porta;
o mel do amor cristaliza
seu perfume em vossa rosa;
sois o sonho e sois a audácia,
calúnia, fúria, derrota…

A liberdade das almas,
ai! com letras se elabora…
E dos venenos humanos
sois a mais fina retorta:
frágil, frágil como o vidro
e mais que o aço poderosa!
Reis, impérios, povos, tempos,
pelo vosso impulso rodam…

Detrás de grossas paredes,
de leve, quem vos desfolha?
Pareceis de tênue seda,
sem peso de ação nem de hora…
— e estais no bico das penas,
e estais na tinta que as molha,
e estais nas mãos dos juízes,
e sois o ferro que arrocha,
e sois barco para o exílio,
e sois Moçambique e Angola!

Ai, palavras, ai, palavras,
íeis pela estrada afora,
erguendo asas muito incertas,
entre verdade e galhofa,
desejos do tempo inquieto,
promessas que o mundo sopra…

Ai, palavras, ai, palavras,
mirai-vos: que sois, agora?

— Acusações, sentinelas,
bacamarte, algema, escolta;
— o olho ardente da perfídia,
a velar, na noite morta;
— a umidade dos presídios,
— a solidão pavorosa;
— duro ferro de perguntas,
com sangue em cada resposta;
— e a sentença que caminha,
— e a esperança que não volta,
— e o coração que vacila,
— e o castigo que galopa…

Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência, a vossa!
Perdão podíeis ter sido!
— sois madeira que se corta,
— sois vinte degraus de escada,
— sois um pedaço de corda…
— sois povo pelas janelas,
cortejo, bandeiras, tropa…

Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência, a vossa!
Éreis um sopro na aragem…
— sois um homem que se enforca!

Romanceiro da Inconfidência**
Cecília Meireles (1901-1964)
 “Leitura da Sentença dos Inconfidentes“,Leopoldino Faria (1836-1911),óleo sobre tela.

___________________________________

MEIRELES, Cecília . Obra Poética. Ri
o de Janeiro : Editora José Aguilar, 1958. Introdução de Darcy Damasceno.

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