“Parte da necessidade de debatermos o estatuto do texto dramático hoje e também de percebermos o que é literatura e o que é que é teatro, uma vez que o teatro tem vindo a ser, desde o naturalismo, um bocadinho contaminado pela literatura”, adiantou, em declarações à Lusa, Ricardo Ávila, um dos formadores da oficina que arranca em 22 de março.
A iniciativa pretende desmistificar a ideia de que o teatro é um “parente pobre da literatura” e apresentar uma alternativa ao processo de construção do texto dramático.
“Há uma tendência para pensarmos que o teatro acontece primeiro na cabeça de um dramaturgo, que o põe no papel, depois esse documento é sujeito a atores, que são orientados por um encenador, que por fim leva o trabalho à cena, por sua vez visto por espetadores. É o teatro da linha reta. Nós aqui estamos a trabalhar precisamente ao contrário”, salientou Ricardo Ávila.
A oficina, de participação gratuita, para maiores de 16 anos, divide-se em dois módulos, o primeiro de 22 a 24 de março e o segundo de 26 a 29 de maio, estando as dez vagas praticamente preenchidas.
No primeiro módulo, ministrado por Ricardo Ávila, os participantes vão eleger uma memória significativa da sua vida e tentar perceber de que forma a podem contar, inicialmente, “sem quaisquer palavras, só através da gestualidade”.
O segundo estará a cargo do inglês Peter Cann, dramaturgo e encenador, há cerca de 30 anos, que ajudará os participantes a trabalhar uma narrativa em concreto ou as várias iniciadas no primeiro módulo.
“Começamos pela ação, por jogos de improviso, e só no final vamos sistematizar com escrita aquilo que foi sendo forjado ao longo do ‘workshop’, porque o teatro é no fundo ação, não pode ser recitação e o espetador tem de poder participar e não apenas espetar passivo. Tem de poder construir significado a partir do que está a ver”, frisou Ricardo Ávila.
Formado em educação de infância, o ator, natural da ilha Terceira, descobriu o gosto pelo teatro, quando começou a narrar contos, na biblioteca pública de Angra do Heroísmo, em 2006.
“Viria a perceber que contar histórias tem muito a ver com teatro, desde logo pela forma frontal como nos dispomos diante do público”, revelou.
Um dos fundadores da companhia de teatro Cães do Mar, fez formação em mimo e um mestrado em marionetas, na Universidade de Évora.
A formação terá, por isso, uma forte componente do chamado teatro físico, que Ricardo Ávila chama apenas de teatro.
“Todo o teatro é físico, todo o teatro é visual. O que nunca pode acontecer é pessoas em palco a dizerem coisas meramente, sem ação. O teatro é ação, o ator age e quem vai ao teatro quer ver ação, quer poder ler, quer ser confrontado com o olhar dos atores, quer poder desmistificar o que está a ver”, frisou.
Segundo o formador, depois da oficina de escrita, inserida no projeto “Mentirosos Compulsivos: oficinas para jovens criativos”, haverá também uma conferência na biblioteca, aberta ao público, para debater este “conflito entre o teatro e a literatura”.