A marralhinha, um jogo de tabuleiro feito à mão, na ilha Terceira, nos Açores, é procurada pelos locais, mas também pelos turistas, mesmo pelos que nem sabem como se joga.
Pelas mãos de José Linhares já passaram mais de 4.000 marralhinhas, um jogo feito em madeira, para quatro jogadores, em que o objetivo é colocar cinco peças (berlindes) em casas específicas, esculpidas no tabuleiro, avançando consoante o número que o dado dita.
“Cá na terra, julgo que vai ser muito raro uma família não ter uma marralhinha”, afirma, em declarações à Lusa, o artesão.
O jogo tornou-se popular em 2012 e passou a fazer parte dos serões e convívios de muitas famílias na ilha Terceira, mas muitas das marralhinhas feitas por José Linhares saíram do arquipélago.
“Já mandámos 50 para a América”, conta, acrescentando que o jogo também já chegou, por exemplo, à Rússia e à Noruega.
São vários os artesãos na Terceira a fazer o jogo, que já faz parte da oferta das lojas de lembranças para turistas da ilha.
José Linhares participa, com a mulher Lúcia, em feiras de artesanato, onde se depara com muitos olhares curiosos de quem chega de fora. “Ensinamos a jogar a muitas pessoas. Algumas acham graça e compram”, revela.
Com regras fáceis de aprender, a marralhinha conquista pessoas de todas as idades e, por isso, é muitas vezes jogada em família.
“Em São Miguel, entrou uma senhora na feira e disse: ainda ontem estive aqui com a minha mãe, que tem 90 anos. Estivemos a jogar até à meia-noite”, recorda José Linhares.
Já houve mesmo quem lhe dissesse que não tinha interesse em jogar, mas queria uma marralhinha para decorar a sala: “As nossas marralhinhas são um bocadinho diferentes e as pessoas gostam de ver. Têm madeiras que vêm do Brasil e de África e embutidos de osso de baleia.”
Carpinteiro durante toda a vida, José Linhares trabalhou em empresas de construção de civil, mas quando a crise conduziu ao fecho da empresa em que trabalhava viu-se, pela primeira vez, parado, em casa, sem nada com que se ocupar.
Foi o médico que lhe recomendou que arranjasse “alguma coisa para se distrair” e voltou a dedicar-se à carpintaria, numa pequena oficina nas traseiras de casa.
Em 2012, um amigo deu-lhe um molde de uma marralhinha para reproduzir. As duas tábuas de madeira, que encaixadas formam uma cruz, eram bem maiores do que as que molda hoje em dia, mas depressa chegaram os pedidos de amigos e familiares.
“Houve pessoas aqui a vir buscar, durante algum tempo, 30 ou 40 marralhinhas”, conta.
Com a ajuda dos filhos, começou a aperfeiçoar as marralhinhas. Tornou-as mais pequenas, para que pudessem ser mais facilmente transportadas, e começou a combinar madeiras diferentes, para criar padrões.
Não passa um dia sem ir à carpintaria e a maior parte do tempo é dedicada ao jogo, que quase todos conhecem na ilha.
“Há marralhinhas que podem demorar duas horas a fazer, há outras que podem levar 12 horas. Depende dos embutidos que têm”, explica.
Quando o amigo lhe deu o primeiro molde, José regressou aos bancos da escola primária do Porto Judeu, recordando um jogo semelhante da sua infância.
Na década de 1960, a Força Aérea norte-americana, colocada na Base das Lajes, distribuía brinquedos pelas crianças da ilha Terceira.
“Davam bonecas, lápis de cor, havia uma cartolina quadrada, com uns 40 e poucos centímetros, que tinha umas bolinhas como os furos que estão na marralhinha. Não era com berlindes, era uma peça pequenina, que se jogava”, lembra o artesão.
O jogo de madeira e berlindes pode até ser semelhante, com uma ou outra regra diferente, mas tornou-se mais popular na Terceira, substituindo até, por vezes, os jogos de cartas e dominó nos serões dos cafés da ilha.
José Linhares sabe de cor as regras e já foi convidado para os muitos torneios que se organizam na ilha, mas é na carpintaria que se sente mais confortável perto das marralhinhas.
“Não gosto de jogar. Tenho dois filhos. Já jogámos e eu quase sempre acho que vou ganhar e depois perco”, explica, com uma gargalhada.
Lusa