Aquela ilha açoriana constituía, na década de 1980, um ponto de paragem obrigatória entre os continentes europeu e americano.
O avião provinha de Bergamo, na Itália, e tinha como destino a República Dominicana, nas Caraíbas, prevendo uma escala técnica no aeroporto de Vila do Porto, em Santa Maria, ilha do grupo oriental dos Açores.
Volvidas três décadas sobre a tragédia, há bombeiros que ainda têm pesadelos com o Boeing 707, como é o caso de José Botelho, que chegou ao Pico Alto ainda esperançado em encontrar vida por entre os escombros do avião que se despenhara.
"Foi uma cena macabra a que encontrámos, o silêncio era absoluto", recorda à agência Lusa o antigo bombeiro profissional, que não esquece os corpos que encontrou desmembrados e decapitados por toda a área onde teve lugar o embate.
José Botelho, que era naquele dia o chefe de turno na placa do aeroporto de Santa Maria, foi alertado pela torre de controlo para um eventual embate do avião no Pico Alto e partiu para o terreno com seis bombeiros e três viaturas.
Apesar de ser bombeiro profissional e de se ter preparado mentalmente para enfrentar todas as situações possíveis, estava longe de imaginar o cenário encontrado.
Trinta anos depois, o bombeiro, que hoje possui uma oficina em Vila do Porto, refere à Lusa que estaria disponível para partilhar com os colegas no ativo a sua experiência, uma vez que considera que seria uma "mais valia" para quem exerce a profissão.
José Botelho lamenta o "estado de abandono" em que se encontra a zona onde teve lugar o acidente, onde existe uma placa com os nomes de todas as vítimas mortais.
O presidente do município de Vila do Porto na altura do acidente, José Humberto Chaves, foi alertado pelos serviços da SATA Air Açores para a possibilidade de ter caído um avião.
"A única coisa que eu fiz, e que tinha que fazer, foi deslocar-me para o local e apurar o que se estava a passar", refere o antigo deputado e autarca em declarações à Lusa.
O que mais o impressionou foi o silêncio e, depois, os corpos dilacerados e a fuselagem do avião.
"Por mais que eu queira esquecer e dizer que isso já passou, nunca mais esqueci. Quando vou ao Pico Alto, por alguma razão, sinto e lembro perfeitamente aqueles momentos", declara José Humberto Chaves.
O atual responsável pela Santa Casa da Misericórdia de Vila do Porto refere que, volvidas três décadas, as pessoas que trilham a ilha de Santa Maria têm vindo a recolher pequenos detritos do avião na zona do Pico Alto e a depositá-los junto ao memorial às vítimas, havendo ainda familiares dos passageiros que de deslocam aos Açores para visitarem o local do acidente.
José Humberto Chaves tem mesmo conhecimento de uma jovem italiana, cujo pai faleceu a bordo do avião da Independent Air, que esteve na ilha a recolher material para a edição de um livro.
Quando passam 30 anos sobre o acidente, Jorge Arruda, que desempenhava as funções de diretor do aeroporto, afirma que, apesar de estar preparado para esta eventualidade, foi, "naturalmente, apanhado de surpresa".
"Estava a almoçar com uma equipa de colegas da ANA (Aeroportos de Portugal) que se tinha deslocado a Santa Maria e fui alertado, por telefone, para a queda de um avião no Pico Alto. Peguei no carro e dirigi-me para o local, tendo avisado, entretanto, o aeroporto e desencadeado o plano de emergência", recorda Jorge Arruda, a primeira autoridade a chegar ao local.
O responsável pelo aeroporto bloqueou o acesso ao local do acidente aos curiosos até que chegassem os bombeiros da ANA, tendo, posteriormente, regressado a Vila do Porto para alertar as entidades oficiais.
O relatório, finalizado três anos após o acidente aéreo, adianta que, o facto de não se ter observado as questões operacionais, "conduziu à descida deliberada do avião para 2.000 pés, desrespeitando a altitude mínima naquela zona, que era de 3.000 pés".
O documento revela que contribuiu para a situação "a deficiente técnica de comunicações" do copiloto, que iniciou o seu ‘read back’ (confirmação) da autorização de descida para 3.000 pés fornecida pelo controlador aéreo, antes de este ter terminado a sua mensagem, o que originou uma sobreposição de comunicações e a consequente confusão/erro na transmissão/receção da mensagem.
O acidente aéreo seria atualmente "perfeitamente evitável" pois a ilha tem cobertura radar, o que não se verificava na altura, explicou, entretanto, à Lusa o antigo presidente da Associação dos Pilotos Portugueses de Linha Aérea (APPLA), Pedro Santa Barbara.
Depois do acidente todos os operadores turísticos cancelaram os voos fretados à Independent Air, o que levou a que a companhia de charter norte-americana encerrasse.
Já se registaram mais cinco acidentes aéreos nos Açores, o mais recente dos quais na ilha de São Jorge, em 11 de dezembro de 1999, quando um ATP da SATA Air Açores se despenhou com 35 ocupantes.
O acidente de Santa Maria deu origem a um livro do açoriano Francisco Cunha, obra que foi divulgada pela primeira vez em inglês no início do ano.
A obra, cuja versão original foi lançada em setembro de 2016, recorre a documentos oficiais, como ilustrações técnicas, mapas, entrevistas e fotos, culminando numa reconstituição dos momentos que ditaram a tragédia.